segunda-feira, 26 de maio de 2014

Capítulo 16: O lado de fora

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Disclaimer: “Other World” é uma web-série independente, cuja a autoria pertence à Lilian Kate Mazaki, publicado originalmente no blog http://otherworld-serie.blogspot.com.br

Other World – Capítulo 16
O Lado de Fora
por Lilian Kate Mazaki – abril 2014

Juliana se jogou na cama da qual havia se levantando a pouco mais de dez minutos. Estava completamente vestida para ir tomar café, mas de repente seu plano costumeiro havia sido interrompido por uma simples troca de palavras:
― Você fez aquele site? ― perguntou a ruiva, com as sobrancelhas franzidas, encarando o teto branco do quarto.
― Olha, não precisa ficar tão chocada assim, Julie. ― disse Mari Ritcher, ainda sentada em seu próprio colchão. O jaleco do uniforme da área de engenharia da OMM que programadora trajava estava tão amassado que era óbvio que ela havia dormido com ele.
Era manhã de segunda-feira, início da terceira semana corrida de treinamentos do futuros Soldados Delta. Durante o fim de semana os estudantes tanto do grupo dos futuros soldados como os que faziam apenas a preparação teórica haviam sido sacudidos por uma novidade: um website capaz de rankear as habilidades dos soldados, apartir de todas as pontuações particulares obtidas durante os treinamentos.
O acesso era livre para todos os estudantes que participavam do Programa de Treinamento do Soldados Delta, seja na parte teórica ou prática. Não havia registro de vazamento dessas informações para ninguém fora da OMM, o que parecia ser o que retardava a iniciativa da organização de buscar os responsáveis pelo hackeamento e montagem do sistema. A ferramenta era tão completa que era possível cada soldado comparar seus pontos com algum colega em especial em algum tipo específico de exercício, para qualificar quem tinha mais aptidão:
― Eu só. . . ― a voz de Juliana era hesitante. ― Achei que você me diria se tivesse feito.
― Mas essa é a primeira vez que nós vemos direito desde o sábado! Dormi nos laboratórios e vim ontem aqui trocar de roupa e tomar banho durante a tarde, quando você estava em treinamento. ― explicou Mari. ― Acho que hoje não vou ir pro treinamento teórico coisa nenhuma. Vou acabar entrando em coma se não dormir mais de duas horas seguidas.
Juliana não respondeu nada a este comentário, mas também não fez menção de se levantar de novo. Ela ainda estava digerindo a história do website com certa dificuldade. Isso porque a principal ferramenta, e também mais acessada, era o "ranking geral", que comparava todas as pontuações de todos os soldados e gerava uma lista atualizada em tempo real, classificatória do número um ao duzentos e cinquenta.
E Juliana Lake era o nome que estava metade do tempo na primeira colocação. Na outra metade o que constava era Fábio Ivanoff.
― Olha, Julie, não precisa encarar isso como se fosse uma tragédia, porque não é. ― começou Mari, incomodada com a capacidade nata da outra de não falar nada quando precisava falar alguma coisa. ― De primeira eu só ouvi a idéia do Barbosa Júnior porque ele bajulou minha habilidade de hacking, mas depois eu acabei vendo alguma coisa de boa nessa de criar o site.
"Primeiro, claro, porque isso me permitiria hackear a OMM sem que eles me condenassem à cadeira elétrica. Não mesmo. A ferramenta é útil e estimulante para os recrutas. E também, se forem bobear comigo eu vou meter o filho do chefe na encrenca."
"Mas também teve uma coisa que o Thiago me falou. Ele é um garoto um tanto afobado e energético demais. Imagino se ele não tivesse sido tratado desde bebê por causa de hiperativismo, nossa. Enfim, ele disse que gostaria muito de saber qual era a posição dele no ranking, para assim os outros respeitarem ele como soldado, não só como o filho do General da OMM."
Juliana desistiu de fintar o teto e encarou de lado a loira, quando ela terminou e dizer aquilo. A leve mudança na expressão desta fez Mari acreditar que estava indo no caminho certo:
― Você não tem que se preocupar se vão falar de você pelos cantos, Juliana. Se você é assunto para eles é porque tem uma habilidade incrível, invejável. Eles vão te respeitar quando estiver com eles. Você está encarando isso da maneira errada.
― Você fez isso por mim? ― perguntou a ruiva, com uma expressão de estranheza.
― Ora, vamos, somos amigas. Hackear e criar o site é algo simples como cortar pão pra mim. Eu me divirto muito em sacanear a OMM e ainda tem esse benefício: ajudar a levantar essa sua estima tão baixa. ― declarou a programadora, com um sorriso abatido, devido ao cansaço. ― Estou quase te adotando, Julie. Quero que seja minha irmãzinha caçula.
― Nem ferrando. ― riu-se Juliana. Mari decretou vitória internamente. ― Como poderia uma irmã ser loira e outra ruiva?
― Ah, o mundo tá tão globalizado, Julie. Todo mundo tem um sobrenome latino e outro europeu, asiático, americano. Você está sendo muito cafona.
As duas deram risadas e Juliana enfim pôs em pé. Mari por sua vez se atirou nos seus travesseiros e só disse algo que soou como "tenha um bom dia" apesar de ser impossível ter certeza, já que esta pareceu adormercer quase instataneamente.
Juliana respirou fundo e partiu para o desjejum. Aquele prometia ser um dia muito mais do que "bom". A verdade é que a, tirando toda o seu nervosismo costumeiro em relação as outras pessoas, ela estava ansiosa como nunca pelo que viria.








Mais uma vez o grupo de duzentos e cinquenta recrutas que se preparavam para tornar-se Soldados Delta estava reunidos no salão de treinamento do bloco A da base. Todos usavam os trajes roxo-acinzentado, mas dessa vez traziam um item a mais consigo: o fino cordão metálico que era a base dos capacetes transparentes de tecnologia avancadíssima. Todos estavam parados em fileiras organizadas, como já haviam se acostumado naquelas últimas semanas. Nadia Rock entrou com passadas vigorosas, como era de seu feitio e postou-se à frente da tropa:
― Boa tarde, recrutas. Hoje, como vocês já sabem, iremos realizar uma importante atividade do Plano de Treinamento dos Soldados Delta: vamos explorar o ambiente externo da base.
O silêncio dos jovens permaneceu intocável, mas era claro aos olhos da instrutora a excitação que existia dentro de cada um. Evitou sorrir, mas aquela aura fazia seu trabalho ser perfeito para ela a cada dia:
― Certo. Agora quero que coloquem os cordões do capacete protetor em volta do pescoço. Observem como o faço e repitam até que consigam realizar o movimento com perfeição.
Tendo dito isso, Nadia pegou seu próprio cordão e o encaixou no pescoço. O mesmo acoplou-se a camada externa do traje e logo a membrana transparente que garantia a sobrevivência humana diante da atmosfera do Outro Mundo se completou, assim como a extensão do tecido do traje, cobrindo os cabelos da mulher.
A execução não era nada complexa, precisando apenas de uma ou duas tentativas para que todos tivessem com a proteção devidamente instalada.
"O status do capacete de cada uma de vocês está sendo monitorada pelo HNI de vocês, integrado aos sistemas da OMM, portanto, não precisam se preocupar em alguma falha ou mau encaixe do capacete." disse Nadia caminhando em direção a parede feita de puro vidro com mais de três metros de grossura. "Ainda que pareça imóvel, esta proteção de cada um dos salões de treinamento foi configurada para ser também uma rápida passagem para o lado de fora. Vejam só, nossa equipe de apoio já está lá nos aguardando." disse, apontando para o exterior e os jovens não conseguiram conter suas exclamações de surpresa e admiração.
O instrutor Basil McKeen estava no lado de fora da base, sob as areias do deserto que cercava toda a construção. Estava posicionado ao lado de um veículo semelhante a um Jipe, com rodas adaptadas e uma membrana de tom avermelhado no lugar dos vidros laterais e capô. Ele acenou para Nadia, que retribuiu:
― Escutem, quando eu der o comando e a parede se abrir diante de nós, cada um de vocês irá caminhar até o instrutor Basil e ouvir o que ele tem a lhes dizer antes de prosseguirmos. Dividam-se em grupos de três ou quatro para isso. Preparados?
Juliana, Thales e Leonardo sempre se posicionavam próximos para a realização das atividades e nem precisavam combinar nada para se organizar. Logo havia uma fileira de pequenos grupos, esperando a ordem da instrutora Rock:
― Certo. Vamos lá. ― disse Nadia Rock e, sem que ela fizesse qualquer ação, parte do vidro de mais de três metros de grossura desceu com uma suavidade impressionante.
Vento e um pouco de areia adentraram ao salão e alguns dos recrutas recuaram. Do primeiro grupo na fila, apenas Fábio Ivanoff não esborçou qualquer reação ao primeiro contato da atmosfera do Outro Mundo com seu traje.
Nadia deu o sinal e o grupo avançou em uma corrida leve. Muitos observaram com receio, com se acreditassem que algo poderia dar errado nos filtros. Eles sabiam que se não estivessem protegidos pelos trajes seus corpos seriam esmagados pela pressão e seus pulmões iriam ser tomado de partículas mortais em questão de segundos.
Para a surpresa geral, quando o grupo alcançou o instrutor Basil, ao invés de retornar, eles se dispersaram pelas redondezas, sem muito objetivo. Fábio Ivanoff foi o único que manteve uma trajetória em marcha reta, quase desaparecendo de vista quando o segundo grupo chegou ao veículo.
Conforme iam passando os grupos, a instrutora Nadia dava tapinhas nas costas de alguns dos recrutas. Foi o caso de Thiago Barbosa e Daniel Ivanoff. Quando o grupo de Juliana enfim chegou na ponta a ruiva se surpreendeu com o peso sobre o seu ombro esquerdo:
― . . . ― Juliana virou o olhar para encarar a mulher que apenas sorriu para ela. ― Vão.
Quando Juliana colocou ambos os pés sobre a areia e o brilho do céu sem claro, porém sem sol, chegou à membrana do capacete, Juliana pode ter a sensação perfeita do ambiente. Mesmo que houvesse uma barreira, ela era capaz de escutar o ar e sentí-lo correr pelo traje. Ela, Thales e Leonardo seguiram o exemplo dos outros grupos e foram correndo sem tanta pressa até Basil. O magricela Thales não conseguia se conter em silêncio:
― É incrível, é incrível! ― exclamava ele, sem se direcionar a ninguém. Sua expressão denúnciava seu êxtase.
Foram precisos só três minutos para que alcançassem o veículo. O instrutor com o qual pouco tinham contato os encarou com um sorriso que ainda não tinham visto em seu rosto:
― Sejam muito bem vindos, Soldados Delta, ao Outro Mundo. ― disse ele.
― O-Obrigado, instrutor! ― respondeu Thales, emocionado.
― Este lugar só foi pisado por poucas centenas de seres humanos. É um mundo a ser descoberto por vocês, pelo bem de toda a humanidade. ― continuou Basil. ― Explorem um pouco dos arredores, livremente. Acostumem-se com isto. O HNI está monitorando seus organismos. Qualquer alteração e iremos colocá-los em segurança. Agora aproveitem. Vocês tem trinta minutos.
Os três se encararam e Thales tomou a iniciativa de tomarem a direção esquerda. Leonardo e Juliana o seguiram sem hesitar:
― Nossa, isso é demais, não é? ― disse ele. As vozes eram enviadas de um para o outro usando o sistema básico de ligação e conferência do HNI, que permitia que pessoas em locais distante do mundo, ou só protegidas por capacetes pudessem falar como se estivesse ao redor de uma mesa.
― É um pouco quente. Imagino que deva ser bem pior sem essa roupa. ― disse Leonardo.
― Querem correr? ― perguntou Juliana.
― O que? Você sugerindo uma corrida, Julie?! Caramba!
― Não precisa falar como a Mari. ― retorquiu a garota e os outros dois se divertiram.
― Você está mesmo empolgada com isto, não é? ― perguntou Leonardo.
― Ora, vamos nessa. O Fernando Alabart já fez tanta palhaçada lá do outro lado que acho que o Sistema Delta está mais do que testado na prática! ― disse Thales, dando pulos de ansiedade.
― Até o carro? ― sugeriu Juliana.
― Feito! ― respondeu Leonardo.
― 3, 2, 1. . . Já!
Os três sairam em disparada, percebendo a dificuldade maior de se locomover na areia fofa. Porém logo Juliana foi pegando o jeito e deixando os outros dois para trás com facilidade. Ela venceu todas as cinco voltas completas num raio de dez metros do jipe que apostaram:
― Espere só voltarmos para a Terra! Eu terei minha vingança! ― exclamou Thales, levemente ofegante quando finalmente os dois amigos alcançaram a ruiva, que os esperava apoiada no veículo do instrutor Basil.
― Eu nem sei o que é correr sem esse traje. É covardia. ― reclamou Juliana.
O restante do tempo passou muito rápido na opinião da orfã e logo eles tiveram que retornar para o salão, onde a maioria dos grupos já estava de volta. As conversas estavam altas até que a instrutora Nadia fechou a passagem para a atmosfera do Outro Mundo e anúnciou que cada um teria que passar por uma limpeza, assim como todo o salão. Iria levar cerca de duas horas até pudessem continuar com os treinos.
A desinfeção era individual, realizada em uma pequena antecâmera que havia em uma das saídas do salão. Jatos fortes de ar e lasers corriam toda a superfície do corpo do soldado e o ambiente era testado oito vezes antes que o mesmo fosse liberado para voltar para o corredor anexo ao salão.
Cada um dos duzentos e cinquenta soldados fizeram suas limpezas e puderam livrar-se dos capacetes enquanto aguardavam o término da limpeza do ambiente de treinamento. As conversas eram animadas. Todos trocavam suas experiências naquela meia hora de exploração. Juliana limitou-se a ficar pensativa a um canto.
Havia um misto de emoções no coração da jovem quando enfim a porta principal do salão de treinamento foi liberada e todos se direcionaram para a retomada dos exercícios marciais. Seu coração chegou a dar um salto no peito quando o deserto se fez ver através da grossa camada de vidro blindado.
Ela não sabia definir o que era aquele sentimento forte que parecia se alastrar por seus pulmões e cérebro. Tinha certeza de que não eram partículas alienígenas, afinal o sistema era seguro. Mas o aperto e descarga de adrenalina poderiam ser identificadas quase como uma contaminação.
Afinal, ao observar as areias agora inalcançáveis, Juliana Lake teve certeza de que não era mais ali dentro na proteção, mas sim lá fora, o seu lugar certo de estar. O Outro Mundo era o ambiente para o qual ela havia sido feita para habitar.

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