segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Capítulo 9: Teoria e prática

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Disclaimer: “Other World” é uma web-série independente, cuja a autoria pertence à Lilian Kate Mazaki, publicado originalmente no blog http://otherworld-serie.blogspot.com.br

Other World – Capítulo 9
Teoria e Prática
por Lilian Kate Mazaki – agosto 2013


Na manhã da segunda-feira seguinte, dia dia três de janeiro, os recrutas novatos de cada um dos cinco blocos foram orientados a se encaminhar, após o café da manhã, para grandes salões totalmente fechados, como um auditório que existiam em cada um dos pavilhões. Todos os salões eram idênticos, a início vazios, sem cadeiras, e apenas um pequeno palco liso.
No bloco B os jovens acabaram naturalmente reunindo-se em grupos pequenos ou maiores, conversando e trocando expectativas, enquanto aguardavam o início de qualquer atividade.
Matheus estava na companhia de Thiago e Sara, como era de se esperar, e eles trocavam algumas ideias com Milene e João. Para Matheus parecia mais do que evidente que João era completamente apaixonado por Milene, ainda que esta não parecesse fazer algum esforço para perceber isto. As reações do rapaz faziam Matheus ser forçado a esconder o riso em vários momentos.
Juliana estava encostada à uma parede, próxima a um dos cantos do salão, de braços cruzados. Mari estava em sua companhia, mas as duas não conversavam. A programadora parecia bastante ocupada em enviar mensagens matinais aos seus conhecidos de grupos sociais online. Juliana também não se importava nem um pouco com isso. A orfã se ocupava apenas de observar os pequenos grupos, sem prestar real atenção em qualquer coisa.
Levou mais de quinze minutos para que enfim um funcionário uniformizado da OMM entrasse porta adentro batendo a mesma com violência. O silêncio foi instantâneo à passagem do homem de cabelos já tomados por várias mechas prateadas. Ele atravessou toda a extensão do salão e subiu no quase indiferenciado palco e fintou aquela multidão de jovens com um olhar severo antes de pronunciar-se:
― Sejam bem vindos, mais uma vez, jovens recrutas. Meu nome é Natan Steel e serei o responsável pela parte teórica do treinamento preliminar que será realizado nos próximos dois meses. ― apresentou-se o homem, sem suavizar sua expressão em momento algum. Seus olhos apertados pareciam estar em busca de alguma coisa na expressão dos recrutas. ― Saibam que minha missão neste curso é não do que somente uma: não permitir que alguém incapaz avance para os próximos estágios da preparação dos Soldados Delta.
A tensão aumentou visivelmente a esta afirmação do instrutor Steel. Muitos se mexeram incomodados, desviando os olhares para seus companheiros ao lado. Uma minoria não desviou a atenção em momento algum da pausa momentânea que Natan deixou à sua fala:
― Ainda que todos vocês tenham sido aprovados nos exames preliminares isto não significa que estejam prontos para serem soldados. Os testes tão somente verificam a compatibilidade em potencial de cada um com as tecnologias mais avançadas do HNI.
“Não estou dizendo também que estarei caçando crianças choronas para voltarem para casa. Existem muitos outros cargos de vital importância dentro da OMM que provavelmente as pessoas sem capacidades de combate dentre vocês poderão seguir. Porém é meu dever evitar que qualquer um sem o mínimo de aptidão para situações de extrema tensão e provação continue num caminho que só o conduzirá ao fracasso.”
― Legal, não serei a única para ser apelidada de 'frangote'. ― comentou Mari aos cochichos para Juliana. Ela também estava inscrita no Plano de Treinamento, ainda que não tivesse a menor intenção de ser um Soldado Delta. Possivelmente aquilo também fazia parte de sua punição.
Natan Steel deu uma nova pausa antes de prosseguir:
― Ainda que esta parte do treinamento seja chamada de Instrução Teórica, vocês logo perceberam que as atividades desenvolvidas, onde todas utilização muito de suas capacidades de operar o HNI, terão uma relação enorme com o que necessitarão durante a Instrução Prática do treinamento.
“Para começar e deixar as coisas mais interessantes para suas mentes bombardeadas de hormônios e distrações tolas, vamos dividí-los em pequenos grupos, para a realização das atividades de modo mais dinâmico. Por favor, recrutas, todos em grupos de quatro pessoas. Escolham bem seus companheiros, pois as atividades da Instrução Prática também serão realizadas na companhia deles!” alertou o instrutor, dando o primeiro breve sorriso diante de seus alunos.
Os burburinho de conversas e passos encheu instantaneamente o ambiente. As chamadas e acertos realizados rapidamente lembravam muito a dinâmica de uma sala de aula comum durante uma preparação para trabalho em grupo. Mari e Juliana nesse momento porém se entreolharam e observaram sem muita reação enquanto os grupos se fechavam rapidamente ao redor.
Entrementes dois amigos também pareciam encontrar dificuldade para formar um grupo. Thales e Leonardo eram vizinhos desde bem novos e haviam pedido juntos aos seus familiares que lhes permitisse fazer os exames para participar do do Plano de Treinamento. Porém a postura nada amigável de Leonardo, que sempre tinha a cara amarrada para tudo e todos, não estava cooperando nada para que alguém se aproximasse para formar grupo:
― Ei, será que aquele garoto, o Daniel Ivanoff, já tem grupo? Pelo menos ele agente conheceu ontem. ― sugeriu Thales, esticando o pescoço para procurar o outro.
― Acho que é tarde demais. ― sentenciou Leonardo, encontrando o garoto que conversava animado com Fernando, o irmão mais novo do Alabast.
― Caraca, agente tá ferrado! ― exclamou Thales, olhando para todos os lados, agora procurando qualquer pessoa que parecesse desacompanhada. Foi quando seu olhar enxergou algo que lhe chamou a atenção. ― Ali! Vem, Leo! ― e nisso o rapaz pegou o braço do outro e arrastou à força, sob protestos.
― Ei, não me puxa!
Mas Thales não lhe deu atenção, pois dirigiu as pessoas que havia localizado:
― Garotas, vocês por acaso já formaram algum grupo? ― perguntou, com um sorriso franco que deixava transparecer sua falta de opções para vir abordar pessoas desconhecidas.
― Na verdade não. ― respondeu Mari, observando os dois garotos de cima abaixo enquanto respondia. ― Vocês também não?
― Não! Meu nome é Thales Dickens e meu amigo mau encarado aqui é o Leonado Menezes. Tanta gente por aqui parece já se conhecer, mas nós não temos essa sorte.
― Mari Ritcher. ― se apresentou a programadora, levantando a mão para logo em seguida apontar para a outra. ― Ela é Juliana Lake. Ainda que pareça ser muda ela sabe falar bastante quando quer.
― “Lake”? Que nem os engenheiros que foram assassinados? ― perguntou Leonado, fintando Juliana uma segunda vez.
― Exatamente como os engenheiros, Leonardo. ― interpôs Mari, numa atitude defensiva automática que chamou a atenção de Juliana.
― Er. . . Será que podemos formar um grupo? ― perguntou Thales, tentando desfazer o breve momento de embaraço.
― Mesmo que eu não aceitasse a probabilidade de só sobrarmos nós quatro seria quase um, o que me faz não ter motivo para recusar. ― respondeu Mari, abrindo um sorriso um pouco forçado. ― Vamos lá, Julie, cumprimente nossos novos coleguinhas.
― Oi. ― foi a única coisa que disse a ruiva, ainda sem se mover do lugar. Nesse momento o instrutor Natan chamou a atenção dos recrutas de volta para si.
― Certo. Parece que já estão organizados. Agora irei dizer-lhes qual atividade imprescindível irão realizar durante o dia de hoje para que amanhã possamos colher os frutos de vossos trabalhos.
“Uma lista de coisas que são possíveis de se fazer usando o HNI.”
O burburinho se tornou um zumbido alto ao anúncio da atividade de Natan Steel. No geral os jovens recrutas se entreolhavam e comentavam incrédulos sobre aquilo que havia acabado de ser proposto. Leonardo Menezes não foi exceção:
― Uma lista? Que tipo de atividade de jardim de infância é essa? Nós não estávamos aqui para nos tornar os grandes guardiões da evolução humana?! ― esbravejou ele em tom bem audível, porém o instrutor Steel parecia incapaz de ouvir a sua reclamação ou as outras que se seguiram depois desta. Aparentemente todos haviam ficado um tanto frustrados com aquela atividade.
“Ah, vejo que estamos bem no horário.” disse Natan, observando por cima da cabeça dos jovens algo e estes foram virando para acompanhar o seu olhar gradualmente. “Eles já estão liberados para você, instrutora Rock.”
Uma mulher ligeiramente alta, de cabelos castanhos ligeiramente arruivados e olhar penetrante estava parada às portas do salão, que estavam agora arreganhadas. Ela passou os olhos rapidamente pela massa dos duzentos e cinquenta jovens do bloco B e falou com uma voz ríspida:
― Chega de ficarem aí cochichando suas dúvidas inúteis. Me sigam depressa, Recrutas Deltas.




terça-feira, 5 de novembro de 2013

Capítulo 8: O primeiro dia

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Disclaimer: “Other World” é uma web-série independente, cuja a autoria pertence à Lilian Kate Mazaki, publicado originalmente no blog http://otherworld-serie.blogspot.com.br

Other World – Capítulo 8
O primeiro dia
por Lilian Kate Mazaki – novembro 2013


Quando os quase mil jovens atravessaram o precioso portal que ligava os dois mundos, praticamente todos exclamaram com fascínio com a visão que tiveram. O salão principal da base humana no Outro Mundo era uma gigantesca metade de esfera, sendo completamente coberta apenas de vidro na metade em frente ao portal. Uma camada de grande espessura do vidro mais transparente e reforçado que o homem era capaz de fabricar. Então quando se chegava à base a primeira coisa que se via era o deserto sempre claro que existia além dos limites que o corpo humano era capaz de suportar. Uma paisagem morta muito semelhante às existentes na Terra, mas que despertava a admiração e curiosidade extremas, pelo fato de ser em algum lugar completamente diferente, que sequer sabia dizer ser outro planeta ou outra dimensão paralela ao Universo.

A base era estruturada da seguinte forma: havia o prédio central que se erguia acima e abaixo do salão de entrada por dezenas de andares. Nos superiores haviam escritórios para os engenheiros e laboratórios de tecnologia avançada. No subterrâneo estava a estrutura computacional que controlava a sobrevivência dentro da base. Um mainframe de toneladas que se espalhava por centenas de metros quadrados. Também na parte abaixo da superfície ficavam os laboratórios para testes mais rigososos e até perigosos, que incluiam muito da misteriosa tecnologia que seria usada no Plano de Treinamento dos Soldados Delta.

Toda essa estrutura já estava ali, plantada no deserto do Outro Mundo, a quase quarenta anos, porém a base havia sido substancialmente ampliada na última década, por causa exatamente do futuro recrutamento dos soldados. Cinco pavilhões independentes foram construídos e acoplados ao prédio central, sendo nomeados com letras do 'a' ao 'e'. Cada um dos pavilhões tinha a capacidade de receber duzentos jovens para residir ali pelo tempo que fosse necessário. Também haviam refeitórios e salas de estudo em cada um dos braços da base. Também instalações individuais para os treinamentos dos recrutas eram presentes em cada um dos blocos, fazendo com que os mesmos fossem, em somatório, muito maiores do que o prédio original da base.

Além de servir para o propósito do Plano, aquela construção também havia sido uma prévia do que era o plano da OMM para o futuro da organização. Dentro de quatro anos eles pretendia iniciar a construção de novas bases humanas completas, espalhadas por um território cada vez maior do Outro Mundo. Seria o início da conquista daquele novo local. A esperança da humanidade de encontrar novos recursos para sustentar o crescimento dos próximos dois milênios.



Mari Ritcher caminhava sem pressa pelos largo corredor do segundo andar do bloco B. Grupos de jovens entre os treze e dezesseis anos passavam acompanhados de instrutores que os guiavam até seus dormitórios. Ainda que os funcionários tentassem fazer comentários interessantes sobre o projeto que acabava de ter sido iniciado oficialmente à duas horas, ainda na Terra, no hall do edifício administrativo da OMM, os recrutas não pareciam ser capazes de ouvir uma palavra sequer. Seus olhares estavam perdidos na paisagem desértica que se via através das paredes externas da base, também revestidas por vidraças transparentes, com mais de três metros de espessura. A paisagem real do Outro Mundo.

Graças à suas tarefas punitivas que realizou ao longo dos últimos oito meses, a sensação de estar no Outro Mundo não surpreendia mais Mari. Com alguma frequência ela chegava a se questionar se não estaria na verdade em alguma parte do oriente médio, devido à aridez aparente da paisagem que se podia enxergar de todos os lados.

Ignorando a reação exagerada de um grupo numeroso, a jovem de cabelos alourados tomou um dos corredores que se abria do principal e adentrou ao quarto de número duzentos e quinze:

Nossa, eu achava que eu tinha saído um tanto antes do final do discurso, mas você venceu. ― disse a garota, surpresa ao ver sua companheira de quarto deitada em sua cama confortável, virando as páginas de um livro grosso. ― Você chegou a ir até a cerimônia oficial, Juliana?

Juliana Lake e Mari Ritcher haviam se tornado companheiras de quarto desde a segunda semana em que a orfã dos engenheiros Lake passara a viver sob a custódia da OMM. Sem ter ideia do que fazer com a adolescente, os responsáveis dos recursos humanos imaginaram que talvez a companhia de alguma pessoa de idade próxima lhe faria bem, então a despacharam para a fortaleza do Outro Mundo para dividir espaço com a mais nova estagiária senior da área de computação.

Só que Juliana tinha a habilidade extraordinária de parecer completamente alheia a tudo ao seu redor, o tempo inteiro. Essa capacidade havia feito sua relação com Mari se desenvolver de maneira muito lenta. A hacker ficava surpresa com qualquer reação ou par de frases que a outra dissesse. Era quase como testemunhar a realização de todas as teorias de evolução das espécias diante dos próprios olhos. Juliana estava melhorando pouco a pouco, a outra acreditava que dentro de algumas centenas de anos apenas e ela estaria agindo como uma pessoa tímida comum:

Fui sim. ― respondeu a morena, sem tirar os olhos das páginas do livro que segurava com os braços esticados para cima. A conversa terminou por aí.

Sem muita criatividade para puxar assunto, Mari sentou-se à mesa do seu computador e encaixou uma pequena plaquinha de metal na estrutura lisa do seu bracelete de vidro ao redor do pulso direito. Depois começou a digitar freneticamente, inserindo os endereços e logins do sites que costumava frequentar todos os dias.

Por que você usa esse computador se é tão boa em usar o sistema neural? ― perguntou Juliana, assustando a outra, que havia esquecido de sua existência. Mari virou-se na cadeira de rodinhas e viu que a outra estava virada para a parede enquanto lia. A pergunta havia sido perspicaz, porém o pensamento rápido da outra formulou o desafio-resposta imediatamente.

Por que você lê esses livros de papel se tem o sistema neural? Poderia simplesmente projetar o texto numa folha de papel, ou até na parede, e não cansaria os braços.

Juliana virou-se enfim para a encara a outra, com as sobrancelhas ligeiramente franzidas. Sentou-se inclusive, antes de responder:

É mais simples. Ficar usando o sistema pra isso seria mais cansativo depois de um tempo.

Exatamente. ― concordou Mari, apontando o indicador para o auto. ― Sabe, ver as coisas por uma perspectiva mais simplista ajuda o cérebro a relaxar. ― explanou com uma certa pompa teórica que facilmente lhe escapava na fala. ― Só tem uma coisa que eu realmente não entendo.

O que?

Você realmente puxou uma conversa fiada, Juliana? Eu não sabia que já haviam inventado isso no Planeta Lake.

Tsc. ― Juliana estalou a língua dentro da boca e se jogou de volta no colchão, dando sinal de que não se pronunciaria mais depois daquela brincadeira. Mari voltou-se rindo para a tela do computador.






Matheus e Sara acompanhavam Tiago por entre as inúmeras mesas do refeitório dos recrutas. O garoto havia localizado com o olhar ao longe os filhos de um colega militar do seu pai e insistiu com os amigos que gostaria de ir falar com eles:

Oi! Fábio! Daniel! Oi! ― cumprimentou o jovem enquanto finalmente se aproximava o bastante dos irmãos que estavam sentados sozinhos em uma mesa no canto.

Tiago Barbosa. ― cumprimentou o irmão mais velho, levantando-se para dar um aperto de mão em Tiago. Aquela atitude pareceu extremamente formal para Matheus e Sara, que se entreolharam.

Faz um tempão que agente não se vê, não é Fábio? ― cumprimentou de volta Thiago, estendendo a mão com naturalidade para apertar a do outro. ― E você, Daniel, com tá?

O rapaz mais novo, que aparentava ter uns treze anos, enquanto o irmão deveria ter por volta de quinze, sorriu um tanto tímido e respondeu:

Estou bem sim, Tiago.

Ei, queria apresentar pra vocês meus melhores amigos. Esse aqui é o Matheus Alabart e essa é a Sara Silveira. Os pais deles também trabalham para a OMM. ― apresentou Tiago. Matheus notou que o amigo parecia estar adaptando seu jeito de falar para tratar com Fábio, que tinha uma postura séria.

Ah, Tiago, minha mãe trabalha no setor de pessoal da OMM, nem dá pra se orgulhar muito disso. ― disse Sara, um tanto sem jeito, talvez pressionada pela seriedade de Fábio.

A área de comunicação é importante sim! ― insistiu Tiago, com um tom quase ofendido que tirou risadas do grupo, a exceção de Fábio.

Eu sou Fábio Ivanoff e este é meu irmão mais novo, Daniel. ― apresentou o mais mais velho. Ambos tinham cabelos e olhos escuros intensos. Os cabelos de Fábio tinham um comprimento que passa um pouco o seu queixo fino.

Ivanoff? O almirante? ― admirou-se Matheus, que conhecia o sobrenome dos telejornais.

Exato. Nossa família tem tradição em seguir a carreira militar. ― confirmou Fábio, com seriedade. ― Nós dois seremos os primeiros a fazer parte da nova força existente no planeta. Exploraremos o Outro Mundo.

O tom de discurso de Fábio deixou os outros, incluindo seu irmão mais novo, um tanto deslocados e o silêncio acabou se seguindo a isto. Tiago foi quem tomou a iniciativa de puxar algum outro assunto para quebrar aquele gelo que se formou:

Então, vocês estão ansiosos pelo inicio dos treinamentos amanhã?

Não diria que ansioso é a palavra que melhor define o começo de um treinamento militar potencialmente severo. ― respondeu Fábio, com um tom um tanto ríspido. ― Apesar de hoje estarem todos sorridentes e animados, não estamos em uma colônia de férias. Estamos nos preparando para dar nossas vidas em prol da conquista humana.

Tiago desistiu de qualquer conversa descontraída com os irmãos Ivanoff depois dessa resposta realista e fria. Depois disso seu ânimo decresceu visivelmente aos olhos de seus amigos, o que fez Matheus questionar se o amigo não estaria até então se iludindo sobre o Plano, assim como mencionara o gélido Fábio.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Capítulo 7: A caminho do grande projeto

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Other World – Capítulo 7
A caminho do grande projeto
por Lilian Kate Mazaki – outubro 2013


A manhã estava ensolarada e o céu sem nuvens. A alegria ainda pairava de leve no ar devido à virada de ano, dois dias antes. Era sábado e o verão mostravasse convidativo. Estudantes em férias e funcionários de folga passeava e consumiam muito, tudo o que o comércio e a própria cidade precisavam ver naquela época do ano. Diante daquele cenário a família Alabart seria uma das poucas centenas que teria uma programação um tanto diferente do comum.

Matheus, primogênito da família, acordara cedo, mas havia se contentado em ficar observando o teto do quarto enquanto seu irmão mais novo não acordasse. Não tardou até que Fernando, dois anos mais jovem do que ele, levantasse e começasse a fazer barulho pelo aposento.

Ainda que a mãe dos garotos não fosse acompanhá-los naquele dia, seu sorrido era radiante quando Matheus chegou na mesa do café da manhã:

Bom dia, mãe. ― cumprimentou o rapaz alto e magro de quinze anos.

Bom dia, filho. Você está tão bonito. ― elogiou a mulher ainda jovem, de cabelos cinza-castnho e olhos verdes, com um sorriso de orgulho. Os olhos e cabelos claros de Matheus, desde os tons louro-dourados até mesmo a maneira como suas mechas de fios se espalhavam eram idênticas ao seu já falecido esposo.

Matheus também tinha o pai nos pensamentos enquanto servia-se de torradas com geleia. Gostaria que ele ainda estivesse vivo para acompanha-lospara o início do projeto que ele tinha fundado no passado: o Plano de Treinamento dos Soldados Delta. Ele ainda conseguia recordar perfeitamente da expressão de orgulho que seu genitor exibia sempre que falava do projeto.

Matheus teve que desviar seus pensamentos antes que embarcasse mais uma vez em sentimentos melancólicos pela perda que ainda parecia tão recente. Ele tinha o dever de parecer sempre forte e seguro na frente de seu irmão e sua mãe. Talvez fosse um papel difícil para alguém tão jovem, mas o garoto não sentia-se irritado com seu novo lugar de “homem da família”.

Depois da refeição os garotos foram revisar uma última vez as suas bagagens. Seriam mais de dois meses longe de casa e isso deixava o irmão mais velho um pouco preocupado. Se perguntava se sua mãe não iria sentir-se solitária. Já Fernando, o caçula que também exibia as características básicas dos país como Matheus, porém com formas de rosto e cabelos bem distintas do outro, falava com empolgação sobre como seria incrível estar no Outro Mundo e realizar os treinamentos especiais para a formação dos Soldados Delta:

E o mais incrível é que vamos estar com nossos amigos! Vai ser como uma excusão da escola!

Claro que vamos estar com nossos amigos, são todos filhos de pessoas envolvidas com a OMM. ― disse Matheus, com impaciência.

Os três Alabart desceram pelo elevador do condomínio que residiam e foram até o parque mais famoso daquele bairro nobre, a três quadras do residencial. Eles foram os primeiros do grupo a chegar no ponto combinado.

Sara Silveira, acompanhada de sua mãe, Mariane, chegaram alguns minutos depois dos Alabart. Milene Wood foi a próxima a chegar, no carro particular da família e acompanhada de João Costa, seu amigo de longa data.

Mariane silveira era funcionária do setor de recursos humanos a muitos anos e fora colega de classe de Jonanthan Alabart na escola. Tinha cabelos castanho-escuros que também eram presentes na jovem Sara. A garota tinha uma expressão sempre positiva em seu rosto de formas simples, mas ainda assim bonitas. Devido à amizade entre os pais ela vinha estudando na mesma escola que Matheus e Fernando desde o início, criando uma afinidade especialmente com o mais velho.

Milene Wood era uma garota alta e de corpo desenvolvido no alto dos seus quinze anos. Cabelos castanhos e ondulados e um sorriso sempre destacado no rosto. Usava roupas leves, discretas, mas bastante femininas. Gostava muito de música, estando sempre acompanha dos fones wireless para todos os lados. Filha de um burguês cheio de dinheiro que investia pesado na OMM acabou conhecendo os filhos da família Alabart na escola, por uma pura coincidência e afinidade, tudo através de Sara Silveira.

João Costa era o melhor amigo de Milene. Um rapaz magro e tímido, de calelos acinzentados e bem arrumados. Os óculos grande e de aros grossos eram a maior expressão visual do jovem que preferia a companhia de jogos e livros de fantasia do que de estranhos. Sua amizade com Milene era antiga e por tabela ele também tinha conseguido desenvolver uma amizade com Sara e os irmãos Alabart. Algo que ele nunca teria conseguido por conta própria.

O grupo aguardou por mais alguns minutos a chegada da última pessa que faltava para que pudessem partir. As conversas se formaram amistosas como o de costume nesse meio tempo.

Nossa, isso parece um excursão. ― comentou Sara e Matheus fez uma careta à repetição da ideia que ouvira anteriormente do irmão.

Uma excursão para o lugar mais maneiro de todos: o Outro Mundo! ― completou Fernando, que toda a hora tinha que ajeitar o boné que não conseguia ficar parado na sua cabeça.

Droga, Fernando! Se continuar com essa atitude infantil eu não vou deixar que você cruze o portal para a base no Outro Mundo! ― exasperou-se Matheus.

Calma, Mat, o seu irmão só está animado demais. ― ponderou Milene. ― Eu não estou lá muito animada, afinal só vou participar desse projeto em nome da “honra da família”.

Pelo menos não vai estar sozinha no grupo que não quer realmente ser um soldado. ― comentou Sara.

Eu não entendo. Se vocês não querem ser soldados, porquê estão participando? ― questionou Fernando, intrigado.

Acho que você ainda não consegue entender algumas complicações do mundo dos adultos, Fernando. Eu também não tenho a menor intenção de ser um guerreiro e, veja só, estou a caminho do Treinamento! ― disse João.

Achei que no seu caso era só pra ficar perto da Milene, João. ― disse o Alabart mais novo.

C-Como é?! Do que você está falando?! ― exclamou o geek.

A conversa descontraída se seguiu até que um táxi parou na rua, a uma distância próxima do grupo e um garoto desembarcou sozinho, segurando uma mala volumosa:

Tiago! Finalmente! ― exclamou Sara, indo até o rapaz de quinze anos e o ajudando com a mochila que trazia pendurada em apenas um dos ombros, para poder suportar do outro lado a bagagem.

Tiago Barbosa, filho único do líder e dito “General” da Organização para Exploração do Outro Mundo, Gustavo Barbosa. Um rapaz de quinze anos cheio de energia e vigor. De cabelos pretos e aura sempre energética ele acaba sendo sempre o ponto de convergência do círculo em que estivesse inserido. Conhecia desde muito novo Matheus. Ss dois eram companheiros para tudo o que fosse, verdadeiros melhores amigos. Ainda que o louro tivesse um jeito de ser bem diferente do espontâneo Tiago isso não os fazia menos próximos. Se divertiam jogando, matando aula, comprando bobagens e conversando qualquer assunto que fosse. Porém a única coisa que nunca tinha tido coragem de dialogar era sobre as questões amorosas que surgiam naquela época da vida. Um ponto que conseguia causar um desconforto grande entre eles, ainda que nada fosse dito.

Tiago, teria sido muito mais prático ter deixado suas coisas com seu pai para que ele levasse diretamente à sede da OMM. ― comentou a Sra. Alabart, quando o mesmo chegou até o grupo.

Meu pai não aparece em casa a quase uma semana, Tia Denise. Ele está realmente ocupado demais com o início do Treinamento. ― comentou Tiago, com um largo sorriso que demonstrava o orgulho que garoto sentia do próprio pai.

Ei, Tiago! Achei que cê tinha “amarelado” e não ia aparecer! ― comentou Fernando, com um claro tom de provocação, que mesmo sendo óbvia funcionou perfeitamente.

Ei! Tá maluco, Nando?! Eu nunca iria deixar de vir! ― exasperou-se Tiago.

Mariane, tem certeza de que consegue lidar com essa turma toda? Eu posso ligar para o hospital e avisar que precisarei me atrasar. ― disse Denise Alabart.

Não se preocupe, eles não são crianças mais, sabem que temos que chegar logo à sede da OMM e irão se comportar perfeitamente bem. Além disso, não seria nada bonito para uma especialista de nome como você, faltar assim ao seu plantão.

Isso. Mãe, não precisa se preocupar conosco. Eu vou cuidar do Fernando. ― disse Matheus.

Eu sei me cuidar sozinho! ― retrucou Fernando, por ter sido referenciado como a uma criança irresponsável.

Eu sei que vocês dois vão se cuidar bem, queridos. Sou mesmo uma mãe preocupada demais, não é mesmo? ― comentou Denise Alabart.

Depois de breves despedidas, o grupo de seis adolescentes partiu na companhia de Mariane Silveira. Teriam de atravessar o parque e mais alguns quarteirões para chegar à sede da OMM, que já deveria estar tomada pelos selecionados, além da imprensa, curiosos e autoridades que estavam indo para testemunhar em primeira mão as palavras que seriam ditas por Gustavo Barbosa, o “general” da Organização Mundial de Exploração do Outro Mundo, naquela manhã.





segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Capítulo 6: Hypercomputador Neural Integrado


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Disclaimer: “Other World” é uma web-série independente, cuja a autoria pertence à Lilian Kate Mazaki, publicado originalmente no blog http://otherworld-serie.blogspot.com.br

Other World – Capítulo 6
Hipercomputador Neural Integrado
por Lilian Kate Mazaki – setembro 2013


Eram cinco da manhã e o escritório do General da Organização Mundial de Exploração do Outro Mundo já estava iluminado. Gustavo Barbosa caminhava de um lado para o outro no espaço atrás de sua mesa. Murmurava palavras soltas e volta e meia ia servir-se de mais uma dose de café preto e amargo.

Dentro de mais quatro horas ele estaria falando para uma multidão de jovens e seus responsáveis, no hall de entrada do prédio principal da OMM. Porém não seriam apenas aquelas centenas de pessoas que ouviriam seus dizeres. O mundo inteiro aguardava as palavras de Gustavo na manhã daquela quinta-feira nublada.

Isso porque, seria naquele dia que o Plano de Treinamento dos Soldados Delta entraria em ação.

Ainda que o Outro Mundo tivesse sido descoberto a mais de meio século os avanços na exploração daquelas terras selvagens havia sido praticamente nenhum desde a construção da primeira versão precária da base militar que protegia o portal do lado inóspito. Isso porque afastar-se dos arredores daquele local ainda era arriscado demais sem equipamentos e pessoal especializado para tal função.

O desenvolvimento tecnológico voltado exclusivamente para tal função havia sido espetacular nas últimas décadas. Desde que assumira a gerência do departamento de ciência neural, Jonny Lake havia transformado ideais quase lúdicos das últimas décadas em uma tecnologia que havia se difundido no mundo inteiro em pouco mais de treze anos. Sua morte prematura, lamentável para toda a comunidade científica mundial, havia deixado um legado insubstituível.

Porém ainda faltava à humanidade um exército capaz de explorar o Outro Mundo.

O Plano fora originalmente elaborado por Jonanthan Alabart, amigo pessoal de Gustavo Barbosa e Psicólogo autor de livros respeitados, em conjunto com Lake. Unindo as propriedades únicas encontradas na tecnologia construída com a via mais rápida de desenvolver um exército eficaz.

Só que essa era a parte mais complicada de fazer a opinião pública aceitar. Isso porque o plano consistia em militarizar jovens que tivessem crescido com a tecnologia neural de Jonny Lake implantada desde poucos dias após seu nascimento, isso quando os mesmos atingissem a faixa mínima de treze anos de idade. A reação imediata da imprensa ao anúncio da inscrição inicial para as famílias que tivessem interesse de que seus filhos participassem da campanha foi terrível. Exploração infantil e escravidão foram palavras até gentis perto de toda a onda de revolta da população.

Gustavo sabia perfeitamente o motivo que tornava o Plano impossível de ser modificado, porém não tinha certeza de que poderia falar de maneira clara e calma naquela manhã. Se não fosse convincente, mesmo que conseguisse dar início ao projeto, provavelmente seria impedido por todos os governos dos países desenvolvidos antes que os recrutas aprendessem o básico de suas capacidades.

Foi então que o general resolveu assistir pela última vez um vídeo que era a fonte de todo o seu discurso preparado para aquela data. Caminhou até seu computador e buscou o arquivo audiovisual que Jonny Lake gravara na data anterior à apresentação do projeto para o conselho que dirigia a OMM, a dezesseis anos. Sentou-se em sua poltrona diante da tela e deixou o vídeo tocar.






A imagem, em alta resolução que era exibida na tela era nítida o bastante para que se pudesse mesmo enxergar alguns fios de cabelo despenteados em Jonny Lake. Sua confiança era visível mesmo enquanto ele terminava de posicionar-se para começar seu discurso. Sua aparência ainda jovial e expressão alegre, quase divertida, poderiam tirar sua credibilidade diante de quem não o conhecesse a algum tempo. Era a mente mais brilhante daquele século e, considerada por alguns, de toda a História. Mesmo que sua voz fosse suave era fácil para ele concentrar a atenção das pessoas através de suas palavras. Era o que ela havia feito no discurso gravado:

Senhoras e senhores do nosso amável Alto Conselho da OMM. Hoje estou aqui para falar-lhes do projeto mais importante da OMM da última década: o Plano de Treinamento dos Soldados Delta.” começou Jonny, que movia as mãos enquanto falava. Ele pegou uma pequena haste metálica e uma pulseira de vidro da mesinha à sua frente e ergueu para que a câmera focasse os objetos.

Este é o Hypercomputador Neural Integrado, o HNI. Talvez os senhores ainda não estejam tão familiarizados como ele, especialmente este aqui. “ disse ele, sacudindo a pequena haste que devia ter menos de dez centímetros de extensão. “ Porém todos vocês sabem que nos próximos dois anos ele será adotado como sistema global de hypercomputação pessoal. Cada criança terá um destes consigo desde a segunda semana de vida e isto dará a todas elas capacidades de integração computacional que nenhum de nós jamais teve.”

Ainda que cada pessoa tenha consigo um modelo parecido com este. . . “ disse Jonny agora destacando a pulseira de vidro. “. . . Nem mesmo se nós trocássemos nosso sistema pessoal por um destes HNI chegaríamos aos pés do que nossos filhos serão capazes daqui a alguns anos. Isso porque estamos falando de um nível completamente novo de processamento. A completa integração entre mente e máquina. Comandos vindos diretamente do córtex cerebral para o processamento quântico na velocidade da luz desta belezinha em vidro.”

Neste momento, Jonny fez uma pausa e caminhou para mais próximo da câmera. Seu ar ainda era agitado, porém confiante:

Vocês devem estar se perguntando o motivo de eu falar tanto sobre o HNI se, teoricamente, esta é uma apresentação do Plano Delta para a formação do exército que irá desbravar o Outro Mundo. Isso é simples, senhores, é porque ambas as coisas estão totalmente relacionadas.”

Foi testado em laboratório, na fortaleza humana construída do outro lado do Portal quais tipos de reações poderiam ser causados pelo campo magnético que se forma durante o processamento do HNI dentro da cabeça de uma pessoa. Sim, o campo magnético gerado é relativamente forte, se você se perguntam, mas não precisam iniciar questionamentos sobre os riscos à saúde. Eu implantei uma belezinha dessas na minha cabeça a algum tempo e posso garantir que ainda sou capaz de resolver qualquer cálculo diferencial.”

O desenvolvimento do HNI foi pensado também para estas interações com a atmosfera do Outro Mundo. Por tanto posso dizer-lhes que os resultados de nossas experimentações foram incríveis. Vejam bem, um homem como eu, que utilizo o HNI a pouco mais de um ano fui capaz de lidar com a nanotecnologia desenvolvida para a sobrevivência em ambiente hostil no Outro Mundo, de maneira primorosa. E não se trata apenas de conseguir vestir aquelas roupas de proteção e sair caminhando por aí embaixo daquele sol que normalmente fritaria nossos cérebros, mas cheguei a atingir a velocidade de quarenta quilômetros por hora utilizando do veículo de locomoção individual integrado que vocês apelidam de 'skate'.”

E o que lhes digo, membros do conselho, que as pessoas que irão passar a ter este sistema integrado ao cérebro desde a segunda semana de vida poderão viajar a mais de cento e cinquenta quilômetros por hora quando treinadas. É um potencial como jamais existiu na história humana.” A expressão de fanatismo de Jonny Lake era transparente nessa altura do seu discurso. Ele era visivelmente um homem apaixonado pela causa.

Por tanto, senhores, o Plano de Treinamento dos Soldados Delta, mesmo parecendo absurdo a um primeiro momento, é perfeito. Treinar jovens ainda em processo da puberdade para que suas capacidade se desenvolvam com naturalidade junto com seus corpos, num tempo muito mais curto do que qualquer outro meio, é a forma mais barata, viável e segura de finalmente a humanidade poder desbravar o Outro Mundo!”

Ora, vamos, não sejam covardes! Eu mesmo irei inscrever meu filho no projeto! Bom, eu e minha esposa ainda não sabemos quando teremos nossa criança, mas isto está decido desde já! Vejam bem, o Projeto Delta será um marco histórico!”

Neste momento, porém, o vídeo foi pausado. Gustavo Barbosa continuou encarando a expressão eufórica de Jonny Lake por algum tempo, refletindo.

Assim como o amigo, Gustavo também tinha inscrito seu filho, Thiago, no programa como uma forma de provar ao mundo a segurança do processo. Aliás, todos do grupo de amigos mais próximos e que conheciam o projeto haviam inscrito seus filhos para participar. Desde Nicolau Wood, um empresário multimilionário que apoiava financeiramente a OMM, que inscrevera sua primogênita, Milene, até mesmo a família Alabart, que matriculara seus dois filhos homens para aquele projeto. Era completamente seguro. Disso todos tinham certeza.

A missão de Gustavo agora, como porta-voz da OMM, era transmitir essa confiança para a opinião pública e torcer para que realmente nada errado acontecesse naqueles dois meses de treinamentos que viriam pela frente.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Capítulo 5: Ritcher e Lake

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Disclaimer: “Other World” é uma web-série independente, cuja a autoria pertence à Lilian Kate Mazaki, publicado originalmente no blog http://otherworld-serie.blogspot.com.br

Other World – Capítulo 5
Ritcher e Lake
por Lilian Kate Mazaki – agosto 2013

Parecia que o mundo inteiro, todos os cantos do planeta Terra e ainda a base humana instalada no Outro Mundo só sabiam falar sobre um único assunto: o misterioso assassinato dos engenheiros Jonny e Clarisse Lake. O fato havia ocorrido a pouco mais de três dias, mas Mari Ritcher já estava completamente esgotada dos questionamentos e suposições absurdas que leigos e estudados pareciam ter ensaiado para repetir em coro.
“Dizem que algum governo contrário à América decidiu dar fim ao maior gênio da história para que a riqueza do outro mundo não seja monopolizada!”

“Sim! Os gênios que revolucionam o mundo sempre acabam assassinados!”

“Por Deus, alguém precisa encontrar os responsáveis por essa barbárie!”

“Eu ouvi falar que pode o crime foi encomendado pelo Barbosa. Na verdade acredito realmente nesta possibilidade.”

“E quanto à filha do casal? Eles tinham uma garota com uns doze anos de idade. Se não a protegerem, provavelmente logo será a morte dela que iremos testemunhar.”

Mari estava sentada a um canto no amplo refeitório na base/sede da OMM na manhã daquele dia. Ainda que tenha tentando ficar na parte mais isolada do recinto, as conversas furadas sobre o assassinato ainda conseguiam chegar aos seus ouvidos. Ela digitou uma pesquisa no teclado de um pequeno laptop e apertou a teclar 'enter' com um pouco mais de violência do que o faria normalmente:

― Pelo amor de deus, nem o assassinato do papa foi tão comentado, tenho certeza! ― murmurou Mari para si mesma.

A verdade é que a jovem programadora estava muito abalada com o acontecimento que deixara a sociedade em polvorosa. Nos últimos cinco meses, os quais havia sido obrigada a passar inteiramente na base humana no Outro Mundo, a pessoa com a qual tivera mais contato fora Jonny Lake. Naquele período o engenheiro havia desenvolvido uma relação quase paternal com a hacker. Chegaram a conversar diversas vezes sobre suas vidas fora da OMM, Mari falando sobre a chatice de manter uma vida falsa para ocultar sua identidade virtual e Jonny contando sobre diversos momentos marcantes da sua vida, na carreira e família:

“Sabe, Mari, quando puder andar livre novamente, vou te levar para conhecer minha filha. Ela é uma pessoa um tanto solitária, acho que você poderia se tornar uma boa amiga para ela.”

“Mas porque deixa que sua filha seja solitária, Jonny?”

“Não é que eu deixe isto. Esse é o jeito que Juliana é, desde pequena. Sempre quieta, calada e lendo. Eu não sinto que seja capaz de quebrar a barreira que ela tem ao seu redor.”

“Vejam só, o gênio maior do milênio, intimidado por sua filhinha de dez anos.”

“Doze, ela tem doze anos. Alguma coisa me diz que vocês poderiam ser boas amigas.”

Era aterrador mesmo para a hacker pensar que aquele homem de atitude sempre energética e cheio de esperanças e planos para o futuro, com o qual conversara durante o café da manhã a quatro dias atrás agora estava morto. Internamente Mari agradecia ao fato de sua rotina de programação solitária na base humana no Outro Mundo ter sido alterada naquela manhã, com uma súbita convocação do departamento pessoal.

Depois de tomar um café amargo e responder algumas 'threads' em um fórum sobre um dos seus games favoritos, Mari fechou o laptop e se encaminhou para o setor que lhe chamara. Bateu na porta antes e entrou antes que tivesse alguma resposta.

Como na maior parte dos setores da sede da OMM o modelo do departamento pessoal era o de uma única sala grande, sem divisórias, com os funcionários trabalhando em baias individuais. Porém não havia sala separada para a chefia ou algo assim. Uma mulher sentada na mesa mais próxima à entrada observou Mari entrar e lhe acenou:

― Bom dia, você deve ser Mari Ritcher. ― disse uma bela mulher que aparentava ter seus quase quarenta anos. Suas roupas alinhadas e a arrumação de seus objetos de trabalho denotavam sua atitude séria.

― Exato.

― Eu sou Mariana Silveira, fui encarregada de lhe passar alguns avisos importantes sobre sua estadia na base do Outro Mundo, de agora em diante. ― continuou a funcionária, em todo o seu profissionalismo. Apesar disso Mari gastou alguns instantes de pensamento rindo-se da sonoridade da expressão “Mari Mariane”.

― Certo. ― concordou Mari. ― Eu fiz alguma coisa errada e estou sendo punida, é isso?

― Oh não, não! Você tem acumulado muitos pontos ao seu favor desde que iniciou o cumprimento da sua pena de prestação de serviços em programação para a OMM, Mari. O General Barbosa está muito contente com seu trabalho.

― O General? Nossa, ele é um homem muito mais simpático quando não dá as caras, não é mesmo?! ― ironizou a hacker.

― Bom, não estamos aqui para falar do general, não é mesmo. ― disse Mariana, parecendo desconfortável com o comentário maldoso da garota sobre o patrão. ― Vamos tratar dos nossos assuntos.

― Certo, só preciso saber quais são esses assuntos.

― Pois bem. Devido aos acontecimentos de grande repercussão dos últimos dias o departamento pessoal acabou encontrando uma nova tarefa para diminuir do seu tempo de reclusão sob custódia da OMM.

― O assassinato? Até aqui vou ter que ouvir sobre o que aconteceu?

― Você devia tomar um pouco de cuidado com o tom do que fala, às vezes, senhorita Ritcher. ― sibilou Mariana, mas Mari encarou esta sem entender bem.

“Enfim, o que tenho a lhe comunicar é: você agora terá uma companhia de dormitório, na Base.”

― Er, e daí? ― Mari franziu as sobrancelhas à revelação. ― Precisava fazer esse mistério só por causa disso? E quem é?

― Juliana Lake. Gostaria que você a levasse com você agora mesmo para a base do Outro Mundo. A esta hora os pertences pessoal de Juliana já devem ter sido levados para lá.

― Juliana. . . Lake? ― Mari ficou realmente surpresa neste ponto. A conversa com Jonny sobre sua solitária filha voltou a sua mente em um instante.

― Juliana, acredito que você já esteja pronta para partir, certo? A nossa hacker aqui pode parecer uma pessoa rude, mas vocês devem se dar bem. ― disse Mariana Silveira, olhando para um ponto atrás de Mari e esta virou-se de supetão.

― Sim. ― concordou Juliana Lake, sem expressar qualquer emoção.

― Caramba! Você estava aí o tempo todo?! Eu não percebi nada!

― Estava. ― confirmou a ruiva com o mesmo tom monótono de antes.

― Então, Mari, Juliana, estão dispensadas. ― concluiu Mariana Silveira, com um sorriso que aparentou à Mari ser de satisfação em ver a perplexidade desta diante da nova companhia.

O caminho para os dormitórios da base no Outro Mundo levava cerca de vinte minutos em uma caminhada em ritmo normal. Durante esse meio tempo, Mari acabou não dirigindo a palavra à Juliana além das vezes em que lhe mostrava detalhes dos locais pelos quais passava, ou do funcionamento atual do portal que ligava as duas dimensões e as particularidades deste com o modelo inicial descoberto por Jeff Darto, à mais de cinquenta anos.

A ruiva pareceu não perceber o desconforto em que se encontrava a programadora durante todo o tempo da caminhada. Ao chegarem ao quarto Juliana foi direto à caixa de livros que fora deixada ali e tirou um volume particularmente grosso. Sentou-se na cama que evidentemente seria sua, pois era a única desocupada, e começou a folhear, sem dizer qualquer coisa à Mari.

A loira, sem saber muito o que fazer, sentou-se à frente do seu computador de mesa e abriu o navegador com algumas abas típicas. Enquanto observava as atualizações que haviam sido deixadas no perfil do, agora inativo, Star Joker, ela refletia sobre a situação.

Alguém havia achado uma boa ideia deixar a orfã do casal Lake na companhia dela, porém Mari não entendia o motivo. Por acaso não haveriam parentes próximos, como avós, que poderiam ficar com a garota? Talvez Jonny tivesse a intenção de que sua filha participasse do programa que estava a alguns meses de ter inicio, porém não fazia total sentido deixar uma pessoa que acaba de passar por um trauma tão grande isolada em um lugar inóspito como o Outro Mundo.

Mari achou que ia explodir, não era o tipo de pessoa que conseguia ficar apenas sem entender as coisas. Virou sua cadeira de rodinhas na direção da outra, que ainda estava sentada com o livro nas mãos. Juliana ergueu os olhos para essa ao ouvir o som da cadeira:

― Você sabe porquê te fizeram vir pra cá depois, bom, depois de tudo o que aconteceu?

― Eles não sabiam onde me deixar.

― Por quê não com a família dos seus pais?

― Meus avós não quiseram.

― Não quiseram?! Mas que tipo de avós são esses? Por que não iriam querer?

― Eles nunca gostaram de mim. Foi até melhor assim.

Mari estava surpresa não apenas com as revelações, mas também com a falta de flexão emotiva na fala de Juliana. Parecia impenetrável, ao falar da falta de amor de sua família por ela sem alterar-se. Concordou imediatamente com o conceito de “barreira invisível” que Jonny usara para definir a própria filha, no passado:

― Você é sempre quieta assim? ― perguntou a programadora, sem conseguir conter-se.

― Sim. ― foi a resposta monossilábica da ruiva.

― E fica aí lendo esses, livros, todo o tempo?

― Eu gosto de ler.

― E já escreveu alguma coisa?

― Não. Eu gosto só de ler.

― Entendi. Talvez seus avós não gostem muito de pessoas que leem demais. ― hipotetizou Mari, sem conseguir levar muito a sério aquele diálogo.

― Nunca tinha pensando nessa possibilidade. ― respondeu Juliana, parecendo realmente considerar a possibilidade.

Mari virou-se de volta para seu computador. Não sabia como continuar uma conversa com aquela pessoa que só sabia responder tão somente o que lhe era dito. Deixou sair a primeira coisa que lhe veio à mente:

― Sabe, eu trabalhei com o seu pai nos últimos meses. Ele ajudou a me safar de uns problemas.

― Não quero falar sobre meus pais, se não se importar.

― Está bem. . .

Mari não dirigiu mais a palavra à Juliana durante toda a manhã. Quando chegou o meio dia limitou-se a apenas dizer-lhe onde era o refeitório.