terça-feira, 5 de novembro de 2013

Capítulo 8: O primeiro dia

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Disclaimer: “Other World” é uma web-série independente, cuja a autoria pertence à Lilian Kate Mazaki, publicado originalmente no blog http://otherworld-serie.blogspot.com.br

Other World – Capítulo 8
O primeiro dia
por Lilian Kate Mazaki – novembro 2013


Quando os quase mil jovens atravessaram o precioso portal que ligava os dois mundos, praticamente todos exclamaram com fascínio com a visão que tiveram. O salão principal da base humana no Outro Mundo era uma gigantesca metade de esfera, sendo completamente coberta apenas de vidro na metade em frente ao portal. Uma camada de grande espessura do vidro mais transparente e reforçado que o homem era capaz de fabricar. Então quando se chegava à base a primeira coisa que se via era o deserto sempre claro que existia além dos limites que o corpo humano era capaz de suportar. Uma paisagem morta muito semelhante às existentes na Terra, mas que despertava a admiração e curiosidade extremas, pelo fato de ser em algum lugar completamente diferente, que sequer sabia dizer ser outro planeta ou outra dimensão paralela ao Universo.

A base era estruturada da seguinte forma: havia o prédio central que se erguia acima e abaixo do salão de entrada por dezenas de andares. Nos superiores haviam escritórios para os engenheiros e laboratórios de tecnologia avançada. No subterrâneo estava a estrutura computacional que controlava a sobrevivência dentro da base. Um mainframe de toneladas que se espalhava por centenas de metros quadrados. Também na parte abaixo da superfície ficavam os laboratórios para testes mais rigososos e até perigosos, que incluiam muito da misteriosa tecnologia que seria usada no Plano de Treinamento dos Soldados Delta.

Toda essa estrutura já estava ali, plantada no deserto do Outro Mundo, a quase quarenta anos, porém a base havia sido substancialmente ampliada na última década, por causa exatamente do futuro recrutamento dos soldados. Cinco pavilhões independentes foram construídos e acoplados ao prédio central, sendo nomeados com letras do 'a' ao 'e'. Cada um dos pavilhões tinha a capacidade de receber duzentos jovens para residir ali pelo tempo que fosse necessário. Também haviam refeitórios e salas de estudo em cada um dos braços da base. Também instalações individuais para os treinamentos dos recrutas eram presentes em cada um dos blocos, fazendo com que os mesmos fossem, em somatório, muito maiores do que o prédio original da base.

Além de servir para o propósito do Plano, aquela construção também havia sido uma prévia do que era o plano da OMM para o futuro da organização. Dentro de quatro anos eles pretendia iniciar a construção de novas bases humanas completas, espalhadas por um território cada vez maior do Outro Mundo. Seria o início da conquista daquele novo local. A esperança da humanidade de encontrar novos recursos para sustentar o crescimento dos próximos dois milênios.



Mari Ritcher caminhava sem pressa pelos largo corredor do segundo andar do bloco B. Grupos de jovens entre os treze e dezesseis anos passavam acompanhados de instrutores que os guiavam até seus dormitórios. Ainda que os funcionários tentassem fazer comentários interessantes sobre o projeto que acabava de ter sido iniciado oficialmente à duas horas, ainda na Terra, no hall do edifício administrativo da OMM, os recrutas não pareciam ser capazes de ouvir uma palavra sequer. Seus olhares estavam perdidos na paisagem desértica que se via através das paredes externas da base, também revestidas por vidraças transparentes, com mais de três metros de espessura. A paisagem real do Outro Mundo.

Graças à suas tarefas punitivas que realizou ao longo dos últimos oito meses, a sensação de estar no Outro Mundo não surpreendia mais Mari. Com alguma frequência ela chegava a se questionar se não estaria na verdade em alguma parte do oriente médio, devido à aridez aparente da paisagem que se podia enxergar de todos os lados.

Ignorando a reação exagerada de um grupo numeroso, a jovem de cabelos alourados tomou um dos corredores que se abria do principal e adentrou ao quarto de número duzentos e quinze:

Nossa, eu achava que eu tinha saído um tanto antes do final do discurso, mas você venceu. ― disse a garota, surpresa ao ver sua companheira de quarto deitada em sua cama confortável, virando as páginas de um livro grosso. ― Você chegou a ir até a cerimônia oficial, Juliana?

Juliana Lake e Mari Ritcher haviam se tornado companheiras de quarto desde a segunda semana em que a orfã dos engenheiros Lake passara a viver sob a custódia da OMM. Sem ter ideia do que fazer com a adolescente, os responsáveis dos recursos humanos imaginaram que talvez a companhia de alguma pessoa de idade próxima lhe faria bem, então a despacharam para a fortaleza do Outro Mundo para dividir espaço com a mais nova estagiária senior da área de computação.

Só que Juliana tinha a habilidade extraordinária de parecer completamente alheia a tudo ao seu redor, o tempo inteiro. Essa capacidade havia feito sua relação com Mari se desenvolver de maneira muito lenta. A hacker ficava surpresa com qualquer reação ou par de frases que a outra dissesse. Era quase como testemunhar a realização de todas as teorias de evolução das espécias diante dos próprios olhos. Juliana estava melhorando pouco a pouco, a outra acreditava que dentro de algumas centenas de anos apenas e ela estaria agindo como uma pessoa tímida comum:

Fui sim. ― respondeu a morena, sem tirar os olhos das páginas do livro que segurava com os braços esticados para cima. A conversa terminou por aí.

Sem muita criatividade para puxar assunto, Mari sentou-se à mesa do seu computador e encaixou uma pequena plaquinha de metal na estrutura lisa do seu bracelete de vidro ao redor do pulso direito. Depois começou a digitar freneticamente, inserindo os endereços e logins do sites que costumava frequentar todos os dias.

Por que você usa esse computador se é tão boa em usar o sistema neural? ― perguntou Juliana, assustando a outra, que havia esquecido de sua existência. Mari virou-se na cadeira de rodinhas e viu que a outra estava virada para a parede enquanto lia. A pergunta havia sido perspicaz, porém o pensamento rápido da outra formulou o desafio-resposta imediatamente.

Por que você lê esses livros de papel se tem o sistema neural? Poderia simplesmente projetar o texto numa folha de papel, ou até na parede, e não cansaria os braços.

Juliana virou-se enfim para a encara a outra, com as sobrancelhas ligeiramente franzidas. Sentou-se inclusive, antes de responder:

É mais simples. Ficar usando o sistema pra isso seria mais cansativo depois de um tempo.

Exatamente. ― concordou Mari, apontando o indicador para o auto. ― Sabe, ver as coisas por uma perspectiva mais simplista ajuda o cérebro a relaxar. ― explanou com uma certa pompa teórica que facilmente lhe escapava na fala. ― Só tem uma coisa que eu realmente não entendo.

O que?

Você realmente puxou uma conversa fiada, Juliana? Eu não sabia que já haviam inventado isso no Planeta Lake.

Tsc. ― Juliana estalou a língua dentro da boca e se jogou de volta no colchão, dando sinal de que não se pronunciaria mais depois daquela brincadeira. Mari voltou-se rindo para a tela do computador.






Matheus e Sara acompanhavam Tiago por entre as inúmeras mesas do refeitório dos recrutas. O garoto havia localizado com o olhar ao longe os filhos de um colega militar do seu pai e insistiu com os amigos que gostaria de ir falar com eles:

Oi! Fábio! Daniel! Oi! ― cumprimentou o jovem enquanto finalmente se aproximava o bastante dos irmãos que estavam sentados sozinhos em uma mesa no canto.

Tiago Barbosa. ― cumprimentou o irmão mais velho, levantando-se para dar um aperto de mão em Tiago. Aquela atitude pareceu extremamente formal para Matheus e Sara, que se entreolharam.

Faz um tempão que agente não se vê, não é Fábio? ― cumprimentou de volta Thiago, estendendo a mão com naturalidade para apertar a do outro. ― E você, Daniel, com tá?

O rapaz mais novo, que aparentava ter uns treze anos, enquanto o irmão deveria ter por volta de quinze, sorriu um tanto tímido e respondeu:

Estou bem sim, Tiago.

Ei, queria apresentar pra vocês meus melhores amigos. Esse aqui é o Matheus Alabart e essa é a Sara Silveira. Os pais deles também trabalham para a OMM. ― apresentou Tiago. Matheus notou que o amigo parecia estar adaptando seu jeito de falar para tratar com Fábio, que tinha uma postura séria.

Ah, Tiago, minha mãe trabalha no setor de pessoal da OMM, nem dá pra se orgulhar muito disso. ― disse Sara, um tanto sem jeito, talvez pressionada pela seriedade de Fábio.

A área de comunicação é importante sim! ― insistiu Tiago, com um tom quase ofendido que tirou risadas do grupo, a exceção de Fábio.

Eu sou Fábio Ivanoff e este é meu irmão mais novo, Daniel. ― apresentou o mais mais velho. Ambos tinham cabelos e olhos escuros intensos. Os cabelos de Fábio tinham um comprimento que passa um pouco o seu queixo fino.

Ivanoff? O almirante? ― admirou-se Matheus, que conhecia o sobrenome dos telejornais.

Exato. Nossa família tem tradição em seguir a carreira militar. ― confirmou Fábio, com seriedade. ― Nós dois seremos os primeiros a fazer parte da nova força existente no planeta. Exploraremos o Outro Mundo.

O tom de discurso de Fábio deixou os outros, incluindo seu irmão mais novo, um tanto deslocados e o silêncio acabou se seguindo a isto. Tiago foi quem tomou a iniciativa de puxar algum outro assunto para quebrar aquele gelo que se formou:

Então, vocês estão ansiosos pelo inicio dos treinamentos amanhã?

Não diria que ansioso é a palavra que melhor define o começo de um treinamento militar potencialmente severo. ― respondeu Fábio, com um tom um tanto ríspido. ― Apesar de hoje estarem todos sorridentes e animados, não estamos em uma colônia de férias. Estamos nos preparando para dar nossas vidas em prol da conquista humana.

Tiago desistiu de qualquer conversa descontraída com os irmãos Ivanoff depois dessa resposta realista e fria. Depois disso seu ânimo decresceu visivelmente aos olhos de seus amigos, o que fez Matheus questionar se o amigo não estaria até então se iludindo sobre o Plano, assim como mencionara o gélido Fábio.

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