sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Capítulo 18: Desafio para os Soldados Delta

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Disclaimer: “Other World” é uma web-série independente, cuja a autoria pertence à Lilian Kate Mazaki, publicado originalmente no blog http://otherworld-serie.blogspot.com.br

Other World – Capítulo 18
Desafio para os Soldados Delta
por Lilian Kate Mazaki – abril 2014


Era quinta-feira, quarto dia da quinta semana da execução do Plano de Treinamento dos Soldados Delta. No início daquela semana havia ocorrido a completa separação das rotinas dos recrutas dos que haviam ficado apenas com a parte teórica do projeto. Isso significava que apesar de terem mais horas de prática, os Soldados Delta também tinham um intervalo no início da tarde bem maior, extendido em duas horas.
Naquele dia Juliana, Thales e Leonardo estava tendo o verdadeiro privilégio da companhia de Mari durante todo o intervalo. A programadora vinha seguindo uma rotina puxada de trabalho para a OMM que havia tornado simples conversas quase inviáveis mesmo com a companheira de quarto:
― Oh Mari, estávamos com saudades de conversar com você. ― começou Leonardo. ― Bem que você podia nos contar o que anda fazendo para a OMM, não é mesmo?
― Bem que eu estava estranhando todo esse carinho vindo de você, Léo. ― respondeu a hacker. ― Aliás, eu não tenho nada demais para falar. Chamados e manutenção da estrutura de segurança do portal. Só isso.
― Mas como uma pirralha de treze anos está fazendo essas coisas complexas e tão importantes para a Organização de Exploração do Outro Mundo?! Como?!
― Léo, até eu já cansei dessa insistência. ― comentou Thales. ― Deixa a Mari na dela, cara. O importante é que ela é nossa amiga.
― Conversa. ― bufou o moreno.
― Julie, você está usando a rede é? Estou vendo que está se acostumando a isso, não é? ― disse Mari, observando o pedaço retangular e liso de plástico transparente que Juliana segurava. Havia um site de notícias projetado ali.
― Um pouco. Só para pesquisar algumas coisas. ― disse a ruiva, sem se extender.
― Puxa, Mari. Ontem nós fizemos uma manobra complexa lá fora. Foi incrível! ― disse Thales. ― Até precisamos usar as pistolas!
― E a Juliana conseguiu se sair melhor que quase todo mundo, como sempre. ― completou Leonardo, entre o mau humor e a admiração. ― Atirar não deveria ter haver com a interação dos nanorobôs com o traje! Como ela conseguiu?!
― A nossa amiga-pedra parece ter nascido para essas coisas, não é mesmo? ― riu-se Mari, mas percebeu que a ruiva não chegou a se constranger com os comentários.
― Ainda temos uma hora de intervalo! Acho que vou comer alguns doces. ― disse Thales, parecendo ansioso.
― Não é assim que vai deixar de ser um palito, moleque. ― provocou Leonardo.
― Tsc, não enche!
Antes que Thales se levantasse da mesa onde estavam para ir ao quiósque comprar chocolates uma pessoa se aproximou pelo seu lado direito e apoiou as mãos na mesa, entre ele e Mari:
― E aí! ― cumprimentou o rapaz sorridente e energético de cabelos castanhos e rosto comprido.
― Tiago. ― cumprimentou de volta Mari, sem a mesma felicidade do outro.
― Tudo bacana com vocês? Thales, Leonardo, Juliana? ― cumprimentou o rapaz. Thales respondeu com simpatia, Leonardo sem emoção e Juliana apenas o encarou com estranheza.
― O que quer de mim dessa vez, garoto? ― perguntou Mari.
― Puxa vida, você me acha um interesseiro é, Mari?! ― exclamou Tiago, com ar ofendido. ― Nossa, eu sei que somos parceiros em uns projetos, mas eu também posso querer só falar com você!
― Oh, é mesmo? ― desacreditou a loira.
― Bom, na verdade eu tenho uma ideia aí. Ei, vou falar pra vocês quatro e cês vão concordar comigo que é show!
― Lá vem. ― murmurou Leonardo.
Thales ficou dividido entre escutar e ir pegar os doces, porém Tiago não se deteve e começou a explanar de maneira expansiva sua grande ideia. Logo os quatro na mesa ficaram encarando o rapaz com estupor visível:
― Você ficou maluco, cara? ― questionou Leonardo, quando Tiago se calou.
― Uma competição? Tipo um torneio de luta, como os dos filmes?! ― esganiçou-se Thales, que pareceu ficar fascinado com a perspectiva.
― Você só pode tá de brincadeira, cara. Esse treinamento não é um jogo de videogame. Não pode pensar em colocar Soldados Delta em brigas. ― acrescentou Leonardo, ficando a cada palavra mais irritado.
― Não é briga! É disputa! Uma simples competição para ver quem tem mais habilidade diante de um desafio! ― retorquiu Barbosa, que ainda mantinha seu sorriso de excitação.
― Você disse que seria como um sumô dos Delta. Isso parece bizarro falando, mas o quer quer dizer é que o objetivo vai ser só tirar o outro da arena de combate, é isso? ― perguntou Thales, já completamente interessado.
― Isso! Impulso, equilíbrio, elasticidade e precisão! São esses atributos, junto com uma inteligência de superar a estratégia do adversário que serão o foco dessa competição! ― Tiago falava como um verdadeiro fanático a esta altura. ― Essa é a única maneira de sabermos, na prática, quem realmente é que sabe usar o Sistema Delta para sobreviver e vencer os imprevistos que nos esperam lá fora!
O silêncio se fez diante o discurso do rapaz. Os quatro amigos pareciam incapazes de falar até que Mari se manifestou pela primeira vez sobre aquela conversa toda:
― Mas o que você quer de mim, Tiago? ― pergunou a programadora.
― Mari, você tem contato com toda a direção da OMM! Pode mesmo falar com os instrutores fora de treinamento! Eu preciso que os convença!
― Eu os convença?! Você tem uma ideia absurda e quer que eu convença aqueles velhos a aceitá-la?! Porque não fala você com seu papai-chefão para isso?!
― Mas eu já falei com ele, Mari.
― . . . Já? ― o choque era genuíno na expressão da loira.
― Sim. Ele me disse que você daria conta disso.
Mari se ajeitou e ficou fintando os navegadores que havia aberto na superfície da mesa. Duas abas visíveis eram de fóruns de anarquistas e hackers.
― O Gustavo Barbosa conhece a Mari? ― questionou Leonardo, abismado.
― Cara, eu sou o oitavo no Ranking Geral. Isso vai ser demais! Os oito melhores disputando pra ver quem manda mesmo na parada! ― exclamou Thales.
― Eu podia passar sem isso. ― comentou Juliana, voltando-se para a sua navegação.
― É por essas coisas que as pessoas tem medo de você, Lake. ― disse Tiago.
― Medo. . . ? ― repetiu a ruiva.
Mari ergueu o rosto das páginas e encarou o rapaz em pé ao seu lado:
― Você tem umas ideias malvadas, Tiago. Depois desses meses eu acho que vou te apresentar pros meus amigos virtuais.
― Yes! Valeu, Mari! ― exclamou Tiago, extendendo a mão para que a loira batesse de volta, em cumprimento. ― Formamos uma boa dupla, não é mesmo?
― Tsc.










O clima não poderia ser mais desconfortável na sala dos instrutores do Plano de Treinamento dos Soldados Delta.
Era horário de almoço e os instrutores tanto da parte teórica como prática do treinando tinham o costume de se reunir na sala deles para ter as refeições juntos, enquanto trocavam impressões do desempenho sobre os duzentos e cinquenta jovens que estavam cada vez mais habilitados para a sobrevivência daquela ambiente hostil do Outro Mundo. Mesmo os professores que só tinham conhecimentos técnicos conversavam entusiasmados sobre os feitos que os prodígios da humanidade apresentavam diariamente.
Porém naquele começo de tarde a rotina dos debates do grupo havia sido interrompida por um bater na porta inesperado. Uma figura conhecida por todos e preliminarmente detestada pela maioria adetrou no recinto e sem muito se demorar conseguiu obter a atenção de todos:
― Competição? Entre os Soldados? ― repetiu Basil, sendo o primeiro a se manifestar diante daquela proposta.
― Você está maluca, Mari Ritcher! ― exclamou Dolores Docs, erguendo-se da sua cadeira à comprida mesa que se extendia por pelo centro da sala.
― Você tem muita coragem em vir nesta parte reservada da Base só para falar uma asneira dessas, garota. ― disse ríspido, Nigel.
― É óbvio para nós que você é alguém sem o menor respeito pelo trabalho da OMM, Ritcher, mas você deveria saber seu lugar. ― continuou Docs.
― Ninguém sabe qual o motivo da sua presença nessa instituição, mas você não deveria sair por aí se achando desse jeito, menina. ― reinterou Nigel.
― Fala alguma coisa, Nadia! ― exclamou Basil. ― Essa garota está brincando com todo o nosso trabalho. Principalmente, com todo o SEU trabalho, propondo que façamos uma rinha de adolescentes nessa base!
― Eu nunca disse a palavra “rinha”, instrutor. ― corrigiu Mari. Apesar de toda a agressividade do pequeno grupo à sua frente, a expressão e postura da hacker permanecia intocável. Na verdade seu olhar despreocupado soava arrogante em demasia diante dos olhos dos adultos.
Menos para Nadia Rock.
A mulher responsável diretamente pelo treinamento dos Soldados Delta havia assistido a explosão de fúria dos colegas em silêncio, sem nem tirar os olhos do almoço que ainda estava terminando àquela altura. Foi somente quando Basil chamou por ela que esta teve algum movimento. Sem pressa, Nadia largou os talheres e encarou a jovem loira que estava postada próxima a entrada:
― Essa idéia foi sua, Ritcher?
― Possivelmente.
― E você acha que Gustavo Barbosa iria permitir algo assim? ― questionou a instrutora.
― Com o Barbosinha eu sei me virar, instrutora Rock.
― E como são os moldes dessa competição, Mari? ― perguntou Nadia, surpreendendo os outros por dirigir-se à adolescente pelo primeiro nome.
― Eu não acredito que você está dando ouvidos para a babaquice que essa garota está propondo, Nadia! ― indignou-se Nigel.
― Nadia! Você não pode estar pensando nisto! ― disse Basil.
― Calem a boca. ― disse Nadia com força, surpreendendo os colegas. Estes pareceram realmente perder a voz diante dessa grosseiria. ― Mari?
― Uma disputa dentro de uma arena circular. O objetivo é apenas tirar o outro competidor para fora.
― Pelo amor de Deus, nós não temos tempo para uma brincadeira dessas! Estamos gastando milhões por dia e vocês estão pensando num jogo de sumô usando as roupas mais caras da História! ― argumentou Steel.
― Você quer que todos os Soldados sejam colocados nessa disputa? ― perguntou Nadia, dirigindo-se a Mari como se não houvesse mais ninguém na sala.
― Não. Apenas os oito melhores do ranking geral. Seria muito fácil os outros cometerem uma bobagem que poderia causar um vexame mundial. ― respondeu a programadora, que fazia força com o rosto para não deixar seu sorriso vitorioso transparecer.
― Mas qual o sentido de fazer algo assim?! Nadia, eu não entendo. ― disse Basil.
― Não entende mesmo. ― concordou Nadia, colocando-se em pé. ― Nem você nem vocês todos! Nós temos jovens nas mãos, adolescentes querendo colocar-se a prova e realizar feitos que só eles seriam capazes! Se nós queremos soldados que consigam tirar o máximo do Sistema Delta, que sejam apaixonados pelo que vai se tornar suas obrigações daqui a alguns anos, nós temos que deixá-los loucos para dar o melhor de si.
O silêncio foi absoluto diante do discurso da instrutora. Nenhum dos outros parecia capaz de retrucar, mas também não pareciam querer expressar nenhuma concordância:
― Vocês são uns bostas mesmo. Isso vai ser genial.


Capítulo 17: Do outro lado


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Other World – Capítulo 17
Do Outro Lado
por Lilian Kate Mazaki – abril 2014


Milene caminhava sem muita pressa rumo as aulas daquela manhã. Como o de costume sua presença pelos corredores do bloco B da base humana no Outro Mundo não passava desapercebida. Por maldade ou mesmo pura inocência, a verdade era que a maioria dos seus colegas de estudo não conseguia ignorar a figura esbelta de Milene, com passadas leves, porém ágeis, e longos cabelos ondulando às costas.
Naquela manhã de quinta-feira em particular a única coisa incomum em sua passagem até o salão de instrução era a ausência da figura que sempre a acompanhava para todos os lados que seguisse: João. O rapaz havia esquecido o remédio para inflamação que estava tomando a alguns dias, por isso haviam se separado após o café da manhã. Milene não sabia dizer que o silêncio maior aos seus ouvidos a agradava ou não.
Ela e João eram amigos desde os dez anos de idade, quando haviam estudado na mesma sala, em uma escola de alto nível da cidade. João era aluno transferido e tinha dificuldades de conversar com pessoas novas e Milene sempre fora o tipo de pessoa que se sentia incomodada ao ver alguém parecendo triste a um canto.
Os dois se tornaram bons amigos, conversando sobre desenhos, livros e coisas do cotidiano. Milene conhecera mais sobre os jogos mais populares e acabara mostrando quase uma centena de bandas que ela mesma ia pegando o gosto de escutar, isso já lá pelos doze anos de idade. Graças ao jeito extrovetido da garota ela logo fez amizade com Sara Silveira, que chegou também como uma transferida de turma deslocada, assim aumentando o círculo de amizade tanto dela quanto do seu velho parceiro. Porém os dois ainda continuaram sendo próximos, indo para casa juntos ou parando em livrarias para procurar alguma novidade em quadrinhos ou música.
Era óbvio para Milene a bastante tempo já, talvez desde os quartorze, a queda romântica que seu amigo tinha por ela. As atitudes que no começo soavam apenas como coleguismo logo ficaram evidentes como uma paixonite. Ainda assim a jovem não tinha a menor intenção, pelo menos naquele momento, de esclarecer as coisas com João. Ela gostava da companhia do rapaz, não gostaria de vê-lo magoado por ela não sentir-se interessada em namoro. Além disso, quem sabe daqui a uns anos essa vontade não mudasse?
― Oi, Milene! ― chamou Sara, quando esta adentrou na sala ampla e recheada de cadeiras onde passariam as próximas horas. Esta se aproximou e sentou-se ao lado da amiga.
― Então lá vamos nós para mais uma sessão de tortura com aquela professora esquisitona, não é mesmo? ― comentou Milene.
― Ai, não precisava ter me lembrado disso, Mi. ― lamentou-se Sara. ― O que estamos estudando mesmo?
― Logística, é claro. ― respondeu Milene, parecendo estranhar o esquecimento de algo tão recente da outra. Um sorriso malicioso se formou nos seus lábios. ― Ora, será que a presença do Matheus no café da manhã é tão forte assim para você esquecer da matéria?
― Milene! ― exclamou Sara, alarmada, ficando com as bochechas vermelhas e olhando para todos os lados. ― Eu te mato se alguém te escutar falando essas coisas!
― Desculpa, Sara. ― disse Milene, dando risadas altas. ― Você fica tão engraçada quando falo desse seu amor que eu não resisto!
― E você, porque não está andando com seu namorado hoje? Brigaram? ― questionou Sara.
― O João não é meu namorado! Droga, você não sabe levar uma brincadeira na esportiva, menina!
As duas amigas continuaram trocando provocações até que a pequena Carla Steins se aproximou e sentou na cadeira logo atrás de Milene:
― Oi meninas.
― Carlinha, tudo bem?
― Sim, sim. Só estava me lembrando daquela coisa horrenda.
― Coisa horrenda? ― perguntou Milene, sem entender.
― Ah, você está falando daquela roupa, não é mesmo?
― Eu não consigo aceitar aquele uniforme cinza feioso, não consigo!
― Ah, você está falando do traje que as equipes técnicas da OMM usam, não é mesmo? ― disse a mais alta do grupo, enfim compreendo a que as outras se referiam. ― Bom, ele não me parece tão ruim assim.
― Como não, Mi?! Aquele cinza apagado, aquele monte de rugas por todos os lados! ― indignou-se Carla.
― Ora, Carlinha, os trajes são para sobreviver na atmosfera lá fora, não para um desfile de moda. ― ponderou Milene.
― Isso mesmo. ― concordou Sara. ― Eles são meio esquisitões, bem mais folgados do que o dos soldados, mas o objetivo dele é ser confotável e seguro para passarmos vários períodos do lado de fora.
― Isso. Eles não podem ficar gastando tanto para os trajes dagente. O dos Soldados Delta deve ser uma fortuma mais caro, por causa do tecido inteligente e autoajustável.
― Pensa pelo lado bom: os trajes dos soldados deixam bem mais evidentes as gordurinhas.
― Como é?! ― riu-se Milene, tapando parcialmente a boca para o som da sua risada não ficar muito alto. ― Vocês realmente se preocupam com a aparência aqui no Outro Mundo?!
― Eu só estava tentando consular a menina, Mi. Você é muito chata às vezes.
― Oi garotas. ― cumprimentou João. Chegando até o grupo e se sentando na cadeira do lado esquerdo de Milene. ― Parece que já começaram o dia animadas.
― Só comentando sobre o traje de novo. ― esclareceu Milene.
― Ah, eu não faço questão nenhuma de usar aquele traje ou ir lá fora. ― disse o rapaz, enfático. ― Deixa esse negócio de explorar com os Soldados que é melhor.
A essa altura praticamente todas as cadeiras estavam preenchidas pelos estudantes da instrução teórica do Plano de Treinamento dos Soldados Delta. Como a quantidade havia sido ajustada ao total de alunos, qualquer ausência era notada fácil. Quando a baixa e encorpada instrutora Docs, responsável pelas instruções sobre logística, adentrou só havia um local vazio:
― Parece que aquela garota, a Mari Ritcher não vai aparecer de novo. ― comentou Sara.
― Eu não entendo, ela mais não aparece do que outra coisa. ― disse Milene.
― Mas ela é funcionária da OMM, não é mesmo? Deve ter outras reponsabilidades. ― ponderou Sara.
― Funcionária? Uma garota de treze anos? ― questionou a garota mais alta do grupo, espantada.
― É o que todo mundo diz. ― disse João. ― Ela anda com o jaleco da engenharia da OMM pra cima e pra baixo e também vem e vai daqui pra Terra. Só não consigo entender o que uma pirralha pode fazer na área de engenharia.
― O Thiago tem conversado várias vezes com ela. ― disse Sara. ― Parecem ser amigos.
― Eu já ouvi alguém dizendo que ela quem fez o site do ranking dos Delta. ― comentou Carla, tentando parecer desinformada. A verdade é que o próprio Thiago havia deixado escapar essa informação quando mostrara a ferramenta.
― Bobagem. ― retrucou João. ― Como se uma garota fosse ser capaz de hackear o sistema de uma organização poderosa e séria.
― Não sabia que você era machista, João.
― Ein?! Não me entenda mal, Milene!

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Capítulo 16: O lado de fora

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Other World – Capítulo 16
O Lado de Fora
por Lilian Kate Mazaki – abril 2014

Juliana se jogou na cama da qual havia se levantando a pouco mais de dez minutos. Estava completamente vestida para ir tomar café, mas de repente seu plano costumeiro havia sido interrompido por uma simples troca de palavras:
― Você fez aquele site? ― perguntou a ruiva, com as sobrancelhas franzidas, encarando o teto branco do quarto.
― Olha, não precisa ficar tão chocada assim, Julie. ― disse Mari Ritcher, ainda sentada em seu próprio colchão. O jaleco do uniforme da área de engenharia da OMM que programadora trajava estava tão amassado que era óbvio que ela havia dormido com ele.
Era manhã de segunda-feira, início da terceira semana corrida de treinamentos do futuros Soldados Delta. Durante o fim de semana os estudantes tanto do grupo dos futuros soldados como os que faziam apenas a preparação teórica haviam sido sacudidos por uma novidade: um website capaz de rankear as habilidades dos soldados, apartir de todas as pontuações particulares obtidas durante os treinamentos.
O acesso era livre para todos os estudantes que participavam do Programa de Treinamento do Soldados Delta, seja na parte teórica ou prática. Não havia registro de vazamento dessas informações para ninguém fora da OMM, o que parecia ser o que retardava a iniciativa da organização de buscar os responsáveis pelo hackeamento e montagem do sistema. A ferramenta era tão completa que era possível cada soldado comparar seus pontos com algum colega em especial em algum tipo específico de exercício, para qualificar quem tinha mais aptidão:
― Eu só. . . ― a voz de Juliana era hesitante. ― Achei que você me diria se tivesse feito.
― Mas essa é a primeira vez que nós vemos direito desde o sábado! Dormi nos laboratórios e vim ontem aqui trocar de roupa e tomar banho durante a tarde, quando você estava em treinamento. ― explicou Mari. ― Acho que hoje não vou ir pro treinamento teórico coisa nenhuma. Vou acabar entrando em coma se não dormir mais de duas horas seguidas.
Juliana não respondeu nada a este comentário, mas também não fez menção de se levantar de novo. Ela ainda estava digerindo a história do website com certa dificuldade. Isso porque a principal ferramenta, e também mais acessada, era o "ranking geral", que comparava todas as pontuações de todos os soldados e gerava uma lista atualizada em tempo real, classificatória do número um ao duzentos e cinquenta.
E Juliana Lake era o nome que estava metade do tempo na primeira colocação. Na outra metade o que constava era Fábio Ivanoff.
― Olha, Julie, não precisa encarar isso como se fosse uma tragédia, porque não é. ― começou Mari, incomodada com a capacidade nata da outra de não falar nada quando precisava falar alguma coisa. ― De primeira eu só ouvi a idéia do Barbosa Júnior porque ele bajulou minha habilidade de hacking, mas depois eu acabei vendo alguma coisa de boa nessa de criar o site.
"Primeiro, claro, porque isso me permitiria hackear a OMM sem que eles me condenassem à cadeira elétrica. Não mesmo. A ferramenta é útil e estimulante para os recrutas. E também, se forem bobear comigo eu vou meter o filho do chefe na encrenca."
"Mas também teve uma coisa que o Thiago me falou. Ele é um garoto um tanto afobado e energético demais. Imagino se ele não tivesse sido tratado desde bebê por causa de hiperativismo, nossa. Enfim, ele disse que gostaria muito de saber qual era a posição dele no ranking, para assim os outros respeitarem ele como soldado, não só como o filho do General da OMM."
Juliana desistiu de fintar o teto e encarou de lado a loira, quando ela terminou e dizer aquilo. A leve mudança na expressão desta fez Mari acreditar que estava indo no caminho certo:
― Você não tem que se preocupar se vão falar de você pelos cantos, Juliana. Se você é assunto para eles é porque tem uma habilidade incrível, invejável. Eles vão te respeitar quando estiver com eles. Você está encarando isso da maneira errada.
― Você fez isso por mim? ― perguntou a ruiva, com uma expressão de estranheza.
― Ora, vamos, somos amigas. Hackear e criar o site é algo simples como cortar pão pra mim. Eu me divirto muito em sacanear a OMM e ainda tem esse benefício: ajudar a levantar essa sua estima tão baixa. ― declarou a programadora, com um sorriso abatido, devido ao cansaço. ― Estou quase te adotando, Julie. Quero que seja minha irmãzinha caçula.
― Nem ferrando. ― riu-se Juliana. Mari decretou vitória internamente. ― Como poderia uma irmã ser loira e outra ruiva?
― Ah, o mundo tá tão globalizado, Julie. Todo mundo tem um sobrenome latino e outro europeu, asiático, americano. Você está sendo muito cafona.
As duas deram risadas e Juliana enfim pôs em pé. Mari por sua vez se atirou nos seus travesseiros e só disse algo que soou como "tenha um bom dia" apesar de ser impossível ter certeza, já que esta pareceu adormercer quase instataneamente.
Juliana respirou fundo e partiu para o desjejum. Aquele prometia ser um dia muito mais do que "bom". A verdade é que a, tirando toda o seu nervosismo costumeiro em relação as outras pessoas, ela estava ansiosa como nunca pelo que viria.








Mais uma vez o grupo de duzentos e cinquenta recrutas que se preparavam para tornar-se Soldados Delta estava reunidos no salão de treinamento do bloco A da base. Todos usavam os trajes roxo-acinzentado, mas dessa vez traziam um item a mais consigo: o fino cordão metálico que era a base dos capacetes transparentes de tecnologia avancadíssima. Todos estavam parados em fileiras organizadas, como já haviam se acostumado naquelas últimas semanas. Nadia Rock entrou com passadas vigorosas, como era de seu feitio e postou-se à frente da tropa:
― Boa tarde, recrutas. Hoje, como vocês já sabem, iremos realizar uma importante atividade do Plano de Treinamento dos Soldados Delta: vamos explorar o ambiente externo da base.
O silêncio dos jovens permaneceu intocável, mas era claro aos olhos da instrutora a excitação que existia dentro de cada um. Evitou sorrir, mas aquela aura fazia seu trabalho ser perfeito para ela a cada dia:
― Certo. Agora quero que coloquem os cordões do capacete protetor em volta do pescoço. Observem como o faço e repitam até que consigam realizar o movimento com perfeição.
Tendo dito isso, Nadia pegou seu próprio cordão e o encaixou no pescoço. O mesmo acoplou-se a camada externa do traje e logo a membrana transparente que garantia a sobrevivência humana diante da atmosfera do Outro Mundo se completou, assim como a extensão do tecido do traje, cobrindo os cabelos da mulher.
A execução não era nada complexa, precisando apenas de uma ou duas tentativas para que todos tivessem com a proteção devidamente instalada.
"O status do capacete de cada uma de vocês está sendo monitorada pelo HNI de vocês, integrado aos sistemas da OMM, portanto, não precisam se preocupar em alguma falha ou mau encaixe do capacete." disse Nadia caminhando em direção a parede feita de puro vidro com mais de três metros de grossura. "Ainda que pareça imóvel, esta proteção de cada um dos salões de treinamento foi configurada para ser também uma rápida passagem para o lado de fora. Vejam só, nossa equipe de apoio já está lá nos aguardando." disse, apontando para o exterior e os jovens não conseguiram conter suas exclamações de surpresa e admiração.
O instrutor Basil McKeen estava no lado de fora da base, sob as areias do deserto que cercava toda a construção. Estava posicionado ao lado de um veículo semelhante a um Jipe, com rodas adaptadas e uma membrana de tom avermelhado no lugar dos vidros laterais e capô. Ele acenou para Nadia, que retribuiu:
― Escutem, quando eu der o comando e a parede se abrir diante de nós, cada um de vocês irá caminhar até o instrutor Basil e ouvir o que ele tem a lhes dizer antes de prosseguirmos. Dividam-se em grupos de três ou quatro para isso. Preparados?
Juliana, Thales e Leonardo sempre se posicionavam próximos para a realização das atividades e nem precisavam combinar nada para se organizar. Logo havia uma fileira de pequenos grupos, esperando a ordem da instrutora Rock:
― Certo. Vamos lá. ― disse Nadia Rock e, sem que ela fizesse qualquer ação, parte do vidro de mais de três metros de grossura desceu com uma suavidade impressionante.
Vento e um pouco de areia adentraram ao salão e alguns dos recrutas recuaram. Do primeiro grupo na fila, apenas Fábio Ivanoff não esborçou qualquer reação ao primeiro contato da atmosfera do Outro Mundo com seu traje.
Nadia deu o sinal e o grupo avançou em uma corrida leve. Muitos observaram com receio, com se acreditassem que algo poderia dar errado nos filtros. Eles sabiam que se não estivessem protegidos pelos trajes seus corpos seriam esmagados pela pressão e seus pulmões iriam ser tomado de partículas mortais em questão de segundos.
Para a surpresa geral, quando o grupo alcançou o instrutor Basil, ao invés de retornar, eles se dispersaram pelas redondezas, sem muito objetivo. Fábio Ivanoff foi o único que manteve uma trajetória em marcha reta, quase desaparecendo de vista quando o segundo grupo chegou ao veículo.
Conforme iam passando os grupos, a instrutora Nadia dava tapinhas nas costas de alguns dos recrutas. Foi o caso de Thiago Barbosa e Daniel Ivanoff. Quando o grupo de Juliana enfim chegou na ponta a ruiva se surpreendeu com o peso sobre o seu ombro esquerdo:
― . . . ― Juliana virou o olhar para encarar a mulher que apenas sorriu para ela. ― Vão.
Quando Juliana colocou ambos os pés sobre a areia e o brilho do céu sem claro, porém sem sol, chegou à membrana do capacete, Juliana pode ter a sensação perfeita do ambiente. Mesmo que houvesse uma barreira, ela era capaz de escutar o ar e sentí-lo correr pelo traje. Ela, Thales e Leonardo seguiram o exemplo dos outros grupos e foram correndo sem tanta pressa até Basil. O magricela Thales não conseguia se conter em silêncio:
― É incrível, é incrível! ― exclamava ele, sem se direcionar a ninguém. Sua expressão denúnciava seu êxtase.
Foram precisos só três minutos para que alcançassem o veículo. O instrutor com o qual pouco tinham contato os encarou com um sorriso que ainda não tinham visto em seu rosto:
― Sejam muito bem vindos, Soldados Delta, ao Outro Mundo. ― disse ele.
― O-Obrigado, instrutor! ― respondeu Thales, emocionado.
― Este lugar só foi pisado por poucas centenas de seres humanos. É um mundo a ser descoberto por vocês, pelo bem de toda a humanidade. ― continuou Basil. ― Explorem um pouco dos arredores, livremente. Acostumem-se com isto. O HNI está monitorando seus organismos. Qualquer alteração e iremos colocá-los em segurança. Agora aproveitem. Vocês tem trinta minutos.
Os três se encararam e Thales tomou a iniciativa de tomarem a direção esquerda. Leonardo e Juliana o seguiram sem hesitar:
― Nossa, isso é demais, não é? ― disse ele. As vozes eram enviadas de um para o outro usando o sistema básico de ligação e conferência do HNI, que permitia que pessoas em locais distante do mundo, ou só protegidas por capacetes pudessem falar como se estivesse ao redor de uma mesa.
― É um pouco quente. Imagino que deva ser bem pior sem essa roupa. ― disse Leonardo.
― Querem correr? ― perguntou Juliana.
― O que? Você sugerindo uma corrida, Julie?! Caramba!
― Não precisa falar como a Mari. ― retorquiu a garota e os outros dois se divertiram.
― Você está mesmo empolgada com isto, não é? ― perguntou Leonardo.
― Ora, vamos nessa. O Fernando Alabart já fez tanta palhaçada lá do outro lado que acho que o Sistema Delta está mais do que testado na prática! ― disse Thales, dando pulos de ansiedade.
― Até o carro? ― sugeriu Juliana.
― Feito! ― respondeu Leonardo.
― 3, 2, 1. . . Já!
Os três sairam em disparada, percebendo a dificuldade maior de se locomover na areia fofa. Porém logo Juliana foi pegando o jeito e deixando os outros dois para trás com facilidade. Ela venceu todas as cinco voltas completas num raio de dez metros do jipe que apostaram:
― Espere só voltarmos para a Terra! Eu terei minha vingança! ― exclamou Thales, levemente ofegante quando finalmente os dois amigos alcançaram a ruiva, que os esperava apoiada no veículo do instrutor Basil.
― Eu nem sei o que é correr sem esse traje. É covardia. ― reclamou Juliana.
O restante do tempo passou muito rápido na opinião da orfã e logo eles tiveram que retornar para o salão, onde a maioria dos grupos já estava de volta. As conversas estavam altas até que a instrutora Nadia fechou a passagem para a atmosfera do Outro Mundo e anúnciou que cada um teria que passar por uma limpeza, assim como todo o salão. Iria levar cerca de duas horas até pudessem continuar com os treinos.
A desinfeção era individual, realizada em uma pequena antecâmera que havia em uma das saídas do salão. Jatos fortes de ar e lasers corriam toda a superfície do corpo do soldado e o ambiente era testado oito vezes antes que o mesmo fosse liberado para voltar para o corredor anexo ao salão.
Cada um dos duzentos e cinquenta soldados fizeram suas limpezas e puderam livrar-se dos capacetes enquanto aguardavam o término da limpeza do ambiente de treinamento. As conversas eram animadas. Todos trocavam suas experiências naquela meia hora de exploração. Juliana limitou-se a ficar pensativa a um canto.
Havia um misto de emoções no coração da jovem quando enfim a porta principal do salão de treinamento foi liberada e todos se direcionaram para a retomada dos exercícios marciais. Seu coração chegou a dar um salto no peito quando o deserto se fez ver através da grossa camada de vidro blindado.
Ela não sabia definir o que era aquele sentimento forte que parecia se alastrar por seus pulmões e cérebro. Tinha certeza de que não eram partículas alienígenas, afinal o sistema era seguro. Mas o aperto e descarga de adrenalina poderiam ser identificadas quase como uma contaminação.
Afinal, ao observar as areias agora inalcançáveis, Juliana Lake teve certeza de que não era mais ali dentro na proteção, mas sim lá fora, o seu lugar certo de estar. O Outro Mundo era o ambiente para o qual ela havia sido feita para habitar.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Capítulo 15: Repercussão

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Disclaimer: “Other World” é uma web-série independente, cuja a autoria pertence à Lilian Kate Mazaki, publicado originalmente no blog http://otherworld-serie.blogspot.com.br

Other World – Capítulo 15
Repercussão
por Lilian Kate Mazaki – abril 2014

A sessão de saltos se prolongou por toda a tarde e todos estavam exaustos quando Nadia Rock finalmente os liberou para o jantar. Ainda que o cansaço fosse unânime, pouco a pouco conversas excitadas foram sendo cochichadas pelos corredores de todos os cinco pavilhões de treinamento da base humana no Outro Mundo.
E era sobre Juliana Lake que quase todas essas conversas falavam.
Depois do feito inesperado da jovem, diferente da reação de explosão que os recrutas haviam tido com o salto de Fábio Ivanoff, o silêncio foi o que sobreveio. A instrutora Rock foi a única que pareceu genuinamente entusiasmada.
Nas sessões de salto seguintes todos ficavam sempre muito atentos quando os recordistas iam executar suas tentativas. Juliana não mais conseguiu a façanha dos trinta e sete metros, na verdade nem mesmo conseguiu passar Fábio Ivanoff, que se esforçou ao máximo em cada salto, tendo somente igualado a marca dos seus trinta metros mais uma vez.
Os mais desejosos por melhores desempenhos acabaram concluindo que Juliana Lake tivera apenas uma sorte excessiva da primeira vez.
Thales e Leonardo evitaram comentar qualquer coisa sobre o salto de Juliana durante a volta para o bloco B. Encontraram Mari, com uma expressão de exaustão genuína, já sentada à uma das das largas mesas do refeitório, porém pareciam esperá-los para servir-se:
― Ei, meus soldadinhos, parece que se esforçaram bastante hoje. ― comentou ela quando os três se aproximaram o bastante.
― Mas aposto que minha cara não está tão acabada quanto a tua, cracker. ― comentou Leonardo com o alguma diversão em importunar.
― Não é pra menos. Eu não entendo esse pessoal da Computação. Às vezes tenho a impressão de que sou eu a doutorada, não eles. ― reclamou a garota.
― Vamos comer, antes que eu desmaie aqui mesmo! ― disse Thales.
Os quatro se serviram de porções generosas e voltaram ao lugar:
― Julie, sei que você é uma pessoa um tanto modesta, mas queria te avisar que todos na OMM já sabem do seu feito do dia. ― disse Mari, antes de começar a comer.
Juliana parou com o garfo no ar, a caminho de levar uma porção de massa para a boca e franziu a testa para a loira. Pousou o talher:
― Er. . . ― resmungou Thales, incomodado.
― O que foi? Achei estranho vocês não virem comentando sobre isso. ― disse Mari. ―"Nossa! Eu não consegui acreditar nos meus olhos!" Ou algo assim. ― completou ela, fazendo uma imitação do jeito entusiasmado de sempre de Thales.
― Ela só fez uma vez. Deve ter sido uma sorte de principiante. ― respondeu Leonardo, evitando olhar para Juliana.
― Sabe, foi estranho. ― disse Thales em tom de confissão. ― O salto do Ivanoff tinha sido incrível, mas ele já tem essa postura superior, sabe. Ninguém esperava que a Julie fosse fazer algo tão. . . tão.
― Você ficou assustado com um pulo, é isso mesmo, Thales? ― questionou Mari, com uma expressão de choque. ― Fala sério, eu achei que tinha sido um gol da seleção quando gritaram lá no departamento de computação.
― Gritaram? ― perguntou Juliana, insegura.
― Sim, Julie! Claro que eles não deviam ficar assistindo os treinamentos, mas todos estão muito curiosos. O seu salto foi formidável, um verdadeiro feito do Sistema Delta. E seu também.
― Ah. . . ― Juliana quis agradecer pelas palavras da amiga, mas estava sem jeito demais para isso.
― É proibido vazar qualquer informação do treinamento para o povo, mas tenho certeza de que vão comentar sobre isso na internet. Já já vão estar comparando isso com o primeiro robô de exploração pousando em Titan!
― Ótimo. . . ― gemeu Juliana, se encolhendo sobre o prato e voltando-se apenas para sua comida.
Em uma mesa afastada dali o grupo de amigos centralizado em Thiago Barbosa também falava sobre o assunto predominante:
― Incrível, essa Juliana Lake. Eu fiquei sem palavras quando ela fez aquele salto! ― comentou o filho do General Barbosa. Assim como na outro grupo os pratos generosamente servidos predoninava entre os novos soldados.
― Será que ela é mesmo boa assim? Afinal ela só fez uma vez. ― questionou o pequeno Fernando, parecendo mais confortável em voltar a utilizar seu boné.
― Mesmo que só tenha saltado trinta e sete metros uma vez, todos os outros saltos dela foram melhores que os nossos. ― ponderou Matheus.
― É realmente incrível! ― exclamou Daniel Ivanoff. ― Digo, meu irmão pareceu sentir-se desafiado por aquela garota, a Lake. Eu nunca o tinha visto com aquele olhar.
― Seu irmão parece ser o tipo de cara muito competitivo, Dani. ― comentou Milene Wood. Apesar de as atividades da tarde estarem divididas agora, a noite todos os amigos que já se conheciam se reuniam novamente para o bate-papo. ― Você não tem nenhum problema com isso?
― Problema? Não, não. ― respondeu Daniel, um tanto incerto.
― Matheus. ― chamou Sarah, que estava mais uma vez sentada do lado direito do rapaz.
― Sim, Sarah? ― respondeu o loiro, já sentindo o costumeiro nervosismo brotando no fundo do estômago.
― Os seus resultados foram muito bons, não é mesmo? Deve estar feliz.
― É, estou satisfeito sim. Acho que iria orgulhar meu pai.
― Matheus. . . ― Sarah ficou surpresa, pois o rapaz nunca mencionava o seu falecido pai, ainda que fosse um filho próximo a Jonanthan Alabart antes da morte prematura deste.
Distraído, Matheus ouviu seu nome ser dito pela amiga e virou o rosto para encará-la, fazendo os dois cruzarem o olhar sem falar nada por um momento. Quando perceberam isso ambos viraram e se ajeitaram nos acentos, parecendo querer muito prestar atenção na conversa que seguia:
― Queria que tivesse um modo de saber quem é mais habilidoso com o Sistema Delta. ― ia dizendo Tiago. ― Sabe, colocar algo meio que oficial.
― Mas Tiago, os soldados não são competidores. Isso não é um esporte, é um treinamento. ― repreendeu João, parecendo horrorizado com a ideia do amigo.
― Ah João, cê é muito pacífico mesmo! Não entende que se tiver um clima de competição todos vão querer melhorar para ficar na frente? É uma ideia e tanto!
― Não consigo discordar. ― disse Daniel, levando a mão ao queixo num gesto de reflexão.
― Seria maneiro, Tiago! Eu iria fazer o máximo para superar você e meu irmão! Quero ser o melhor! ― declarou Fernando, sem qualquer constrangimento por sua ambição.
― Melhor que o Fábio Ivanoff, Fernando? ― perguntou Matheus, não resistindo a dar uma dose de realidade no caçula.
Fernando respondeu com um gesto nada elegante, mas esperado do gênio explosivo do mesmo. Matheus o ameaçou, mas a discussão dos dois ficou por isso mesmo.






Na manhã da sexta-feira da primeira semana de treinamentos na base humana no Outro Mundo, Juliana Lake levantou-se com uma notícia que fez seus ânimos, normalmente invariantes, afundar. Foi Mari quem lhe trouxe a informação, durante o trajeto já típico de ir ao refeitório para o desjejum:
― Um vídeo? ― repetiu Juliana, com a voz fraca.
― Isso. É terminantemente proibido divulgar qualquer material do treinamento dos Soldados Delta para fora desta base, por causa de todos os problemas políticos. Mas parece que algum engraçadinho sem muita noção fez uma cópia da gravação e, usando uma rede anônima de dentro da própria sede subiu o vídeo no site de streaming mais acessado do mundo. ― relatou Mari, que parecia um tanto irritada com a situação. Hoje suas olheiras de cansaço estava bem mais amenas do que anteriormente.
― Em pleno século vinte e três e a segurança continua a mesma coisa do século vinte. ― disse Juliana, expressando muito bem sua amargura.
― Não sei se isso te deixa melhor ou não, mas o vídeo está sendo um sucesso astronômico na internet. Até o fim da tarde vai ser o assunto mais comentado em todas as redes e portais de notícias.
― Só as caras que os outros fizeram pra mim naquela hora já tinha sido ruim o bastante, Mari.
― Isso é algo que eu não entendo! Por que diabos alguém iria achar ruim uma marca impressionante que você e o Sistema Delta atingiram juntos? ― volciverou a hacker, quando enfim chegaram ao refeitório. As duas rapidamente se serviram e sentaram em uma mesa onde já estava ficando acostumada a comer.
― Eu sei lá o que os outros pensaram. ― disse Juliana, encarando o sanduíche que pegara. ― Só sei que as pessoas já me achavam uma esquisita desde antes, antes de tudo acontecer. Agora vai ser mais ainda.
― Eu também te achava uma esquisita. ― disse Mari, depois de tomar um gole do café com leite, encarando o deserto pela larga janela ao fundo. ― Na verdade nem sei quando deixei de achar isso, Julie. Você é uma pessoa difícil de entender.
― Obrigada.
― Ei, não precisa se desanimar desse jeito. ― disse a loira. ― Você não é uma pessoa estranha de verdade. Eu e os garotos já estamos habituados a você e sabemos que é tão gente quanto qualquer um, só é quase muda.
― Estão falando de nós? ― perguntou Thales. Ele e Leonardo vinham chegando com as bandejas de café da manhã já preenchidas.
― É que nossa amiguinha metade-fantasma está precisando de uma dose de ânimo hoje. ― esclareceu Mari.
― Por causa do que aconteceu ontem ainda? ― indagou Leonardo. ― Não fica com essas coisas na cabeça não, Juliana.
― Parece que o vídeo vazou pra internet, né. ― comentou Thales, meio receoso. ― Isso piora um pouco.
― Esperem, eu estou chocada demais neste momento.
― O que foi, Mari? ― perguntou Thales, distraído do seu raciocínio.
― Nunca imaginei que o Leonardo tinha o dom de ser gentil com alguém. Fiquei abismada como nunca!
― Ah, vá. . . ― xingou o moreno, voltando ao seu mal humor típico.










Os treinamentos daquele dia e dos posteriores seguiu sem que novos acontecimentos incomuns fossem motivo de grande falatório. Juliana teve que aguentar muitos olhares por todos os lugares que passasse, ainda que isso não tivesse mudado o fato de que ninguém além do grupo que já estava acostumada se aproximava para trocar qualquer par de palavras. Seu desempenho continuava excelente nos treinamentos teóricos e práticos, tendo sempre Fábio Ivanoff como comparativo para suas marcas visíveis.
No fim da segunda semana das oito totais do Plano de Treinamento dos Soldados Delta os jovens habilitados já estava aprendendo técnicas de sobrevivência mais avançadas e se preparavam para pisar pela primeira vez no ambiente externo do Outro Mundo.
Durante esse meio tempo os jovens haviam aprendido a verificar os números associados a cada um dos seus exercícios e práticas, que eram registrados em banco de dados com acesso individual. Os mais próximos comparavam seus números e tentavam quantificar um total para saber quem seria o "melhor" do grupo, segundo critérios que eles próprios definiam de superioridade.
Thiago Barbosa era um dos que mais realizava essa prática, mas a dificuldade de computar as informações e fazer um cálculo justo de comparação o frustravam. Foi buscando uma solução para essa questão que ele falou com diversas pessoas e chegou a decisão de comer apenas uma barra de chocolate no intervalo do almoço do sábado para buscar nos corredores pela pessoa que havia achado como ideal para ajudá-lo.
Mari Ritcher estava com uma aparência particularmente péssima naquele dia. Sem tempo para fazer as refeições a hacker se desdobrava para atender os pedidos do setor de computação da sede na Terra e ainda debruçava-se sobre os manuais que gerenciavam o sistema de proteção absoluto que cercava o Portal que ligava as duas dimensões.
No começo de tarde ela estava se encaminhando para o portal mais uma vez, para atender a uma solicitação urgente de um Engenheiro com pós-doutorado que não conseguiam encontrar os acessos corretos para verificar o andamento de testes em um novo protótipo para uso dos Soldados Delta. Ela estava tentando ler uma thread de fórum enquanto avançava a passos rápidos pelo corredor quando quase esbarrou em alguém que cruzou seu caminho de repente:
― Mari Ritcher?! ― exclamou o rapaz de cabelos castanhos e rosto alongado.
― Caramba! Quase você me mata de susto! ― reclamou a garota. ― Sou eu sim, o que há?
― Ah, meu nome é Tiago Barbosa. Eu sou um dos recrutas dos Soldados Delta. ― apresentou-se o rapaz, acalmando-se um pouco.
― Sim, eu sei quem você é. ― disse Mari, observando-o melhor. ― Sou amiga do seu pai sabe.
― Meu pai? ― estranhou Tiago.
― Longa história. O que quer falar comigo, Tiago?
― Ah! Bom, é sobre uma ideia, para algo que pode ser útil para os Soldados Delta. Eu ouvi falar que você faz coisas para OMM, né.
― Faço sim. . . Tenho feito mais coisas pela OMM do que pela minha alma nos últimos dias.
― Então, é sobre as pontuações que nós, futuros soldados, conseguimos durante as atividades, sabe. . .
― Olha, Tiago, eu estou com pressa. Quem sabe outra hora você me procura e-
― Espera, espera! Não quer sentar nem um pouco para me ouvir?! Eu tenho um pouco de chocolate aqui, não quer dividir?
― Fico tentada pelo cholate, mas. . .
― Me disseram que você é o hacker mais poderoso que eu poderia encontrar.
Mari esticou o braço e pegou a metade de barra que Tiago segurava:
― Por que não conversar, não é mesmo?








― Como é?! Seu irmão conseguiu uma namorada?!
Fernando e Daniel e Carla Steins estavam sentados em uma das cabines ao redor das mesas do salão de estudos do bloco B. Era noite, após o horário do jantar e os três conversavam sobre qualquer coisa para distrair-se da rotina cansativa:
― Sim, e eu também fiquei surpreso. É uma garota com cara de estudiosa, lá do bloco E. Ela não é da turma dos soldados nem nada.
― Seu irmão teve sorte, né. ― comentou a pequena Carla.
― Que nada! O cara é um monstro, isso sim! Ser o melhor dos Soldados Delta e ainda descolar uma garota! Ele é o cara! ― disse Fernando, admirado.
― Não sabia que queria ter uma namorada, Fernando. ― brincou Daniel, rindo-se com Carla da expressão de desconcerto do outro.
― N-Não é isso! Eu ainda quero aproveitar muito a vida antes de me incomodar com mulheres!
― Isso aí, machão. ― zombou Carla.
― Além disso. ― começou Daniel, um pouco mais sério. ― Ninguém tem como ter certeza de que meu irmão é o melhor Soldado Delta.
― Claro que é, Daniel! Olha as manobras que ele faz! Os golpes, as esquivas! ― contra-argumentou Fernando.
― Pra mim o Tiago, o seu irmão e aquela Juliana Lake estão no mesmo nível do meu irmão.
― Pois você está errado! O Fábio é o máximo! Ele deixa meu irmão comendo poeira!
― Calma, Nando. ― disse Carla, um tanto assustada com a agressividade das afirmações do garoto. Porém a discussão foi interrompida nesse momento.
― Fernando, Daniel e Carla! É ótimo encontrar vocês! Eu estava maluco procurando qualquer um da galera pra mostrar isso! ― disse Tiago, se aproximando e sentando na cadeira desocupada.
― Tiago! Bem na hora! Fala pro Nando parar de viajar! Ele está tão fanático pelo meu irmão que já estou ficando assustado!
― O cara é o melhor! E ainda conseguiu uma namorada! É algo inacreditável!
― Ele pode até ter conseguido uma garota, mas eu consegui algo ainda mais incrível. ― gabou-se Thiago, com um sorriso ardiloso.
― Do que você tá falando? ― perguntou Daniel.
― Heh. Preparem-se para conhecer o site que mais vão gostar de ver ao final de cada dia de treinamento, de hoje em diante. ― anunciou Barbosa, antes de abrir o navegador projetado na mesa.
Levou alguns instantes para que os três entendessem exatamente o que estavam vendo. Mas não demorou nada para que uma algazarra fosse feita ao chegarem à resposta.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Capítulo 14: O primeiro de todos os saltos

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Other World – Capítulo 14
O Primeiro de todos os saltos
por Lilian Kate Mazaki – abril 2014

Agora com a divisão entre futuros soldados e os potenciais engenheiros, administradores e mesmo arquitetos da OMM a rotina dos jovens instalados na base em meio ao deserto do Outro Mundo se alterou: soldados ainda teriam suas aulas nas turmas de 200 alunos de cada bloco pela manhã, porém à tarde os 250 aprovados eram reunidos em uma turma única.
No início da quinta-feira, como nos três dias anteriores, Juliana e Mari saíram cedo para tomar café da manhã com calma. A programadora tinha olheiras visíveis e a ruiva não se surpreendia por isso: era costumeiro que Mari ficasse jogando no computador até metade da madrugada, mesmo agora que tinham que levantar na segunda hora da manhã. Juliana se perguntava se era tão divertido assim interagir com outras pessoas através do computador, questionando-se inclusive se ela conseguiria conversar com mais tranquilidade se usasse essa plataforma.
Alguns minutos depois das duas iniciarem sua refeição Thales e Leonardo apareceram para acompanhá-las. O mais alto, que já tinha olhos finos derivados de alguma descendência oriental, estava parecendo andar de um lado para o outro como sonâmbulo. Porém tinha uma coisa nele que nunca dormia, e era o mal humor:
― Ah, como eu queria ter dormido bem mais cedo. Estou quebrado. ― comentou.
― Mais cedo ainda, Leo? Cada, não era nem meia noite quando você dormiu! ― exclamou Thales estupefato.
― Eu preciso de muitas horas de sono, magrelo. Não sou pequeno que nem tu pra gastar pouca energia.
― Tsc. Que desculpa mais esfarrapada. ― concluiu Thales, enfiando metade de um pão na boca.
― É sempre uma benção para meu dia ouvir vocês dois logo cedo. ― comentou Mari, que tinha diante de si uma dose enorme de café preto.
― Ei Mari, o que cê vai fazer durante a tarde, já que não vai participar do treinamento dos Soldados Delta? ― perguntou Thales, ignorando a irônia desta.
― Eu tenho sempre o que fazer nos andares inferiores do prédio central da base. ― disse a hacker. ― Ainda existem alguns resquícios de códigos pra limpar. Além disso aposto que o pessoal lá da Terra está só esperando eu dar as caras para me passar vinte módulos para atualizar.
― Nossa, você realmente trabalha na OMM. É incrível. ― espantou-se Thales, mesmo que não tivesse entendido nada sobre o que ela faria.
― Você achava que eu estava mentindo o tempo todo? ― perguntou Mari, erguendo uma sobrancelha.
― Não! Só que. . . é impressionante. ― disse prontamente o rapaz, sincero.
― Fico quase lisonjeada.
― Eu ainda quero saber como foi que você conseguiu isso. Não acredito que tenha sido por meios legais. ― comentou Leonardo, tomando em seguida um gole enorme do seu café com leite.
― Sorte a minha que só quem sabe disso é nossa amiga-muda, Julie. ― disse a loira, se inclinando para encostar o ombro no de Juliana, esta comia duas torradas em silêncio.
― Bem que você podia quebrar um galho e matar essa curiosidade, né Juliana. ― sugeriu Thales, mas a ruiva não só ignorou, como pegou o pedaço de vidro que estava usando para projetar um texto e avançou um pouco sua leitura de modo displicente.
― Comunicativa como uma pedra coberta de musgo. ― riu-se Mari.










A instrução teórica daquele dia não diferiu dos últimos dois dias: simulação. Dessa vez os estudantes foram levados a interagir com sistemas computacionais convencionais e antigos, dentro do ambiente virtual. Depois do almoço Juliana, Thales e Leonardo se despediram de Mari e partiram para o salão de treinamento do bloco A, onde os recrutas dos cinco pavilhões iriam ter suas instruções. Os três foram surpreendidos quando uma funcionária à porta do salão lhe indicou que deviam ir antes aos vestiários anexos para trocar suas roupas:
― Caramba, nós vamos usar os trajes! ― exclamou Thales sem se conter.
― Toda a instrução prática de agora em diante irá utilizar das capacidades dos trajes dos Soldados Delta. ― acrescentou a funcionária que parecia divertir-se com a reação do rapaz.
Reação que não era exclusiva dele, aliás. Quando Juliana estava acalçando a entrada do vestiário feminino passou por ela correndo, vindo do outro trocador um garoto loiro, parecendo que iria explodir de felicidade:
― Caraca, eu não acredito! Eu sou um soldado! Isso é demais! Isso é demais!
― F-Fernando! Para com essa gritaria! ― disse outro rapaz loiro um pouco mais velho, correndo atrás do primeiro.
Juliana sorriu para aquela cena e entrou no vestiário feminino. Ela não criticou aquela euforia infantil que o menino Fernando tivera. Muito pelo contrário.
Ao abrir o armário onde já estava gravado seu nome, Juliana sentiu uma onda de arrepios pelo corpo inteiro. Pegou o traje perfeitamente dobrado e o deixou esticar diante de si. Ainda que só o conhecesse a três dias, tinha a sensação de que o desejara tanto como se o fosse desde seu nascimento. Se não fosse pela sua timidez excessiva a jovem poderia ter cometido várias gafes de comportamento parecidas com a de Fernando. Ela se dirigiu a um box e despiu-se dos jeans, sapatos, blusa e jaqueta para então compor sua nova imagem.
A roupa foi muito mais simples de colocar do que esperaria. Era quase como se o tecido se afastasse e ajudasse a ir para o local adequado. Quando enfim Julie posicionou a gola o traje automaticamente ajustou-se com perfeição ao seu corpo.
Talvez fosse proposital para causar impacto nos novatos, mas dentro de cada box havia um espelho de corpo inteiro. Juliana encarou sua aparência. Determinou que seus cabelos ruivos não combinavam em nada com o roxo escuro e agradeceu ter que prendê-los. O tecido das luvas não atrapalhava sua mobilidade dos dedos de modo algum e ela conseguiu com facilidade fazer um rabo de cavalo baixo e colocar as pontas dos fios para dentro da roupa. Ao encarar seu rosto no espelho ela pode ver a ansiedade e excitação visíveis claro ali. Riu-se ao pensar nas piadas que Mari faria se a visse com aquela expressão e saiu.
Ao entrar no salão de treinamento, gigantesco tanto quanto o que existia no bloco B, logo a voz de Thales chegou ao seu ouvidos:
― Ei, Julie, você ficou muito bem nos trajes! ― elogiou o rapaz, com um sorriso genuíno, porém Juliana não espava por isso e acabou ficando um tanto constrangida. Foi visível quando seu contrangimento foi percebido de volta por Thales. ― E-Er, não me leve a mal! Eu só estava dizendo que você fica bem como um soldado deve ficar! E-Eu. . .
― Eu entendi! ― exclamou Juliana, sentindo o rosto quente. Leonardo pareceu absolutamente estarrecido com aquela reação da garota. Como se estivesse testemunhando um milagre da natureza pela primeira vez na vida.
Nesse momento a instrutora Nadia Rock andetrou no salão, também usando o traje roxo-acizentado e com uma expressão de divertimento genuína como até então não havia aparentado:
― Verdadeiros Soldados Delta! Estão prontos para começar com a Educação Física? Vou mostrar a vocês como isso pode ser divertido!








Depois de quinze minutos os recrutas estava todos enfileirados próximo a parede oposta à grandiosa de vidro transparente que mostrava a paisagem do Outro Mundo. Encaravam o deserto lá fora enquanto as palavras da instrutora era amplificada para chegar aos seus ouvidos. Ela circulava a sala com grande velocidade, utilizando uma espécie de planador baixo que lembrava grosseiramente uma prancha de skate:
"Ontem de manhã vocês tiveram noção do que o traje é capaz de fazer, isso através das simulações. Hoje vamos começar a desenvolver suas habilidades reais de uso da nanotecnologia do Sistema Delta. Não queria ser cruel, mas a verdade é que isso será bem mais difícil de realizar aqui fora do que na simulação."
"Veem essa marca que corta toda este salão de uma ponta a outra bem na metade? Pois a primeira atividade para testar e forçar suas capacidade de lidar com o Sistema será um simples salto. Posicionem-se a meia distância desta linha, corram até ela e saltem."
"Cada metade do salão tem 37 metros. Eu consigo fazer um salto de 20 metros, mas isso é porquê uso o HNI a dez anos. Quando comecei só conseguia 8 metros, menos do que o record olímpico, para que tenham noção. Não se preocupem em falhar nas primeiras vezes."
Nadia posicionou o planador sobre a linha, antes da posição onde, a meia distância, estava do primeiro recruta. Soou o apito o primeiro cadete correu. Instantes depois ele saltou e, para o êxtase dos jovens, atingiu uma marca de mais de doze metros:
"Perfeito, recruta Salgado! Vamos lá!" disse Nadia, soando o apito para o segundo recruta.
Conforme foram sendo feitos saltos a média de bons desempenhos estava acima da metade. Thiago Barbosa foi o primeiro a saltar e conseguir igualar a marca de 20 metros da instrutora Nadia.
"Barbosa! Incrível!" exclamou Rock. A mulher estava se divertindo tanto com a atividade quanto os jovens que testavam seus limites.
Na sequência dele, Matheus Alabart atingiu mais de 22 metros, para a festa dos recrutas, que berravam em excitação:
― Caramba, Matheus! Vamos ser rivais e tanto! ― exclamou Thiago, dando tapas no ombro do amigo quando este se aproximou.
O primeiro que pareceu irritado com seu salto inaugural foi Fernando Alabart. Conseguiu 12 metros e foi aplaudido pela instrutora Nadia, que ressaltou ser uma ótima marca para quem estava na faixa etária mais baixa do treinamento, 13 anos. Porém Fernando parecia que desejava ter tido o mesmo desempenho do irmão.
Passando da metade da fila chegou a vez dos irmãos Ivanoff. Daniel, que também era da faixa mais baixa de idade conseguiu uma marca de 15 metros. Isso pareceu chatear Fernando também, mas o garoto não teve muito tempo para pensar nisto, pois logo em seguida foi a vez de Fábio Ivanoff.
Desde a corrida os outros repararam na velocidade superior que o filho mais velho do Almirante Ivanoff teve. Seu salto foi cheio de técnica e o impulso digno de um atleta olímpico. Sua marca foi de 30 metros:
― Que monstro! ― exclamou Leonado, assombrado como praticamente todos estavam. Diferente de antes, Nadia Rock pareceu não partilhar dos sentimentos dos jovens.
Isso porquê ela, assim como os outros instrutores, havia visto reproduções das simulações de Fábio e já sabia de seu talento superior. A mulher em especial já tinha esse palpite desde antes disto.
Fernando pareceu não mais se aborrecer quando outros fizeram marcas superiores as suas. Estava mais é tentando puxar conversa com Daniel e seu irmão recordista.
A vez de Leonardo, Thales e Juliana chegou quando era quase final da fila. Leonardo atingiu 17 metros, Thales 20 metros e então Juliana se preparou.
A garota nunca tinha corrido na escola além do exigido durante as aulas de educação física. Seus resultados sempre havia sido bastante medianos o que não a fez pensar durante o tempo de espera que poderia ser diferente agora. Sabia dos seus bons resultados na simulação, mas aquilo era outra coisa. Só que algo aconteceu quando o apito da instrutora Nadia Rock soou.
Não foi um fenômeno sobrenatural, mas somente um estado de silêncio. Uma quietude absoluta sobreveio aos pensamentos da jovem que se moveu para frente sem ter mais noção de qualquer coisa. Moveu-se, correu, e saltou na hora correta, porém sem precisar se preocupar com nada, seu corpo e o HNI sabiam o que era pra ser feito.
Seus pés foram se aproximando do chão com uma velocidade alta, ela não estava acostumada com saltos. Ao pousar ela se desequilibrou e suas mãos foram para frente num impulso de se apoiar.
E se apoiaram. No vidro que lacrava a parede da base. A exatos 37 metros da marca que dividia o meio do salão.