segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Capítulo 5: Ritcher e Lake

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Disclaimer: “Other World” é uma web-série independente, cuja a autoria pertence à Lilian Kate Mazaki, publicado originalmente no blog http://otherworld-serie.blogspot.com.br

Other World – Capítulo 5
Ritcher e Lake
por Lilian Kate Mazaki – agosto 2013

Parecia que o mundo inteiro, todos os cantos do planeta Terra e ainda a base humana instalada no Outro Mundo só sabiam falar sobre um único assunto: o misterioso assassinato dos engenheiros Jonny e Clarisse Lake. O fato havia ocorrido a pouco mais de três dias, mas Mari Ritcher já estava completamente esgotada dos questionamentos e suposições absurdas que leigos e estudados pareciam ter ensaiado para repetir em coro.
“Dizem que algum governo contrário à América decidiu dar fim ao maior gênio da história para que a riqueza do outro mundo não seja monopolizada!”

“Sim! Os gênios que revolucionam o mundo sempre acabam assassinados!”

“Por Deus, alguém precisa encontrar os responsáveis por essa barbárie!”

“Eu ouvi falar que pode o crime foi encomendado pelo Barbosa. Na verdade acredito realmente nesta possibilidade.”

“E quanto à filha do casal? Eles tinham uma garota com uns doze anos de idade. Se não a protegerem, provavelmente logo será a morte dela que iremos testemunhar.”

Mari estava sentada a um canto no amplo refeitório na base/sede da OMM na manhã daquele dia. Ainda que tenha tentando ficar na parte mais isolada do recinto, as conversas furadas sobre o assassinato ainda conseguiam chegar aos seus ouvidos. Ela digitou uma pesquisa no teclado de um pequeno laptop e apertou a teclar 'enter' com um pouco mais de violência do que o faria normalmente:

― Pelo amor de deus, nem o assassinato do papa foi tão comentado, tenho certeza! ― murmurou Mari para si mesma.

A verdade é que a jovem programadora estava muito abalada com o acontecimento que deixara a sociedade em polvorosa. Nos últimos cinco meses, os quais havia sido obrigada a passar inteiramente na base humana no Outro Mundo, a pessoa com a qual tivera mais contato fora Jonny Lake. Naquele período o engenheiro havia desenvolvido uma relação quase paternal com a hacker. Chegaram a conversar diversas vezes sobre suas vidas fora da OMM, Mari falando sobre a chatice de manter uma vida falsa para ocultar sua identidade virtual e Jonny contando sobre diversos momentos marcantes da sua vida, na carreira e família:

“Sabe, Mari, quando puder andar livre novamente, vou te levar para conhecer minha filha. Ela é uma pessoa um tanto solitária, acho que você poderia se tornar uma boa amiga para ela.”

“Mas porque deixa que sua filha seja solitária, Jonny?”

“Não é que eu deixe isto. Esse é o jeito que Juliana é, desde pequena. Sempre quieta, calada e lendo. Eu não sinto que seja capaz de quebrar a barreira que ela tem ao seu redor.”

“Vejam só, o gênio maior do milênio, intimidado por sua filhinha de dez anos.”

“Doze, ela tem doze anos. Alguma coisa me diz que vocês poderiam ser boas amigas.”

Era aterrador mesmo para a hacker pensar que aquele homem de atitude sempre energética e cheio de esperanças e planos para o futuro, com o qual conversara durante o café da manhã a quatro dias atrás agora estava morto. Internamente Mari agradecia ao fato de sua rotina de programação solitária na base humana no Outro Mundo ter sido alterada naquela manhã, com uma súbita convocação do departamento pessoal.

Depois de tomar um café amargo e responder algumas 'threads' em um fórum sobre um dos seus games favoritos, Mari fechou o laptop e se encaminhou para o setor que lhe chamara. Bateu na porta antes e entrou antes que tivesse alguma resposta.

Como na maior parte dos setores da sede da OMM o modelo do departamento pessoal era o de uma única sala grande, sem divisórias, com os funcionários trabalhando em baias individuais. Porém não havia sala separada para a chefia ou algo assim. Uma mulher sentada na mesa mais próxima à entrada observou Mari entrar e lhe acenou:

― Bom dia, você deve ser Mari Ritcher. ― disse uma bela mulher que aparentava ter seus quase quarenta anos. Suas roupas alinhadas e a arrumação de seus objetos de trabalho denotavam sua atitude séria.

― Exato.

― Eu sou Mariana Silveira, fui encarregada de lhe passar alguns avisos importantes sobre sua estadia na base do Outro Mundo, de agora em diante. ― continuou a funcionária, em todo o seu profissionalismo. Apesar disso Mari gastou alguns instantes de pensamento rindo-se da sonoridade da expressão “Mari Mariane”.

― Certo. ― concordou Mari. ― Eu fiz alguma coisa errada e estou sendo punida, é isso?

― Oh não, não! Você tem acumulado muitos pontos ao seu favor desde que iniciou o cumprimento da sua pena de prestação de serviços em programação para a OMM, Mari. O General Barbosa está muito contente com seu trabalho.

― O General? Nossa, ele é um homem muito mais simpático quando não dá as caras, não é mesmo?! ― ironizou a hacker.

― Bom, não estamos aqui para falar do general, não é mesmo. ― disse Mariana, parecendo desconfortável com o comentário maldoso da garota sobre o patrão. ― Vamos tratar dos nossos assuntos.

― Certo, só preciso saber quais são esses assuntos.

― Pois bem. Devido aos acontecimentos de grande repercussão dos últimos dias o departamento pessoal acabou encontrando uma nova tarefa para diminuir do seu tempo de reclusão sob custódia da OMM.

― O assassinato? Até aqui vou ter que ouvir sobre o que aconteceu?

― Você devia tomar um pouco de cuidado com o tom do que fala, às vezes, senhorita Ritcher. ― sibilou Mariana, mas Mari encarou esta sem entender bem.

“Enfim, o que tenho a lhe comunicar é: você agora terá uma companhia de dormitório, na Base.”

― Er, e daí? ― Mari franziu as sobrancelhas à revelação. ― Precisava fazer esse mistério só por causa disso? E quem é?

― Juliana Lake. Gostaria que você a levasse com você agora mesmo para a base do Outro Mundo. A esta hora os pertences pessoal de Juliana já devem ter sido levados para lá.

― Juliana. . . Lake? ― Mari ficou realmente surpresa neste ponto. A conversa com Jonny sobre sua solitária filha voltou a sua mente em um instante.

― Juliana, acredito que você já esteja pronta para partir, certo? A nossa hacker aqui pode parecer uma pessoa rude, mas vocês devem se dar bem. ― disse Mariana Silveira, olhando para um ponto atrás de Mari e esta virou-se de supetão.

― Sim. ― concordou Juliana Lake, sem expressar qualquer emoção.

― Caramba! Você estava aí o tempo todo?! Eu não percebi nada!

― Estava. ― confirmou a ruiva com o mesmo tom monótono de antes.

― Então, Mari, Juliana, estão dispensadas. ― concluiu Mariana Silveira, com um sorriso que aparentou à Mari ser de satisfação em ver a perplexidade desta diante da nova companhia.

O caminho para os dormitórios da base no Outro Mundo levava cerca de vinte minutos em uma caminhada em ritmo normal. Durante esse meio tempo, Mari acabou não dirigindo a palavra à Juliana além das vezes em que lhe mostrava detalhes dos locais pelos quais passava, ou do funcionamento atual do portal que ligava as duas dimensões e as particularidades deste com o modelo inicial descoberto por Jeff Darto, à mais de cinquenta anos.

A ruiva pareceu não perceber o desconforto em que se encontrava a programadora durante todo o tempo da caminhada. Ao chegarem ao quarto Juliana foi direto à caixa de livros que fora deixada ali e tirou um volume particularmente grosso. Sentou-se na cama que evidentemente seria sua, pois era a única desocupada, e começou a folhear, sem dizer qualquer coisa à Mari.

A loira, sem saber muito o que fazer, sentou-se à frente do seu computador de mesa e abriu o navegador com algumas abas típicas. Enquanto observava as atualizações que haviam sido deixadas no perfil do, agora inativo, Star Joker, ela refletia sobre a situação.

Alguém havia achado uma boa ideia deixar a orfã do casal Lake na companhia dela, porém Mari não entendia o motivo. Por acaso não haveriam parentes próximos, como avós, que poderiam ficar com a garota? Talvez Jonny tivesse a intenção de que sua filha participasse do programa que estava a alguns meses de ter inicio, porém não fazia total sentido deixar uma pessoa que acaba de passar por um trauma tão grande isolada em um lugar inóspito como o Outro Mundo.

Mari achou que ia explodir, não era o tipo de pessoa que conseguia ficar apenas sem entender as coisas. Virou sua cadeira de rodinhas na direção da outra, que ainda estava sentada com o livro nas mãos. Juliana ergueu os olhos para essa ao ouvir o som da cadeira:

― Você sabe porquê te fizeram vir pra cá depois, bom, depois de tudo o que aconteceu?

― Eles não sabiam onde me deixar.

― Por quê não com a família dos seus pais?

― Meus avós não quiseram.

― Não quiseram?! Mas que tipo de avós são esses? Por que não iriam querer?

― Eles nunca gostaram de mim. Foi até melhor assim.

Mari estava surpresa não apenas com as revelações, mas também com a falta de flexão emotiva na fala de Juliana. Parecia impenetrável, ao falar da falta de amor de sua família por ela sem alterar-se. Concordou imediatamente com o conceito de “barreira invisível” que Jonny usara para definir a própria filha, no passado:

― Você é sempre quieta assim? ― perguntou a programadora, sem conseguir conter-se.

― Sim. ― foi a resposta monossilábica da ruiva.

― E fica aí lendo esses, livros, todo o tempo?

― Eu gosto de ler.

― E já escreveu alguma coisa?

― Não. Eu gosto só de ler.

― Entendi. Talvez seus avós não gostem muito de pessoas que leem demais. ― hipotetizou Mari, sem conseguir levar muito a sério aquele diálogo.

― Nunca tinha pensando nessa possibilidade. ― respondeu Juliana, parecendo realmente considerar a possibilidade.

Mari virou-se de volta para seu computador. Não sabia como continuar uma conversa com aquela pessoa que só sabia responder tão somente o que lhe era dito. Deixou sair a primeira coisa que lhe veio à mente:

― Sabe, eu trabalhei com o seu pai nos últimos meses. Ele ajudou a me safar de uns problemas.

― Não quero falar sobre meus pais, se não se importar.

― Está bem. . .

Mari não dirigiu mais a palavra à Juliana durante toda a manhã. Quando chegou o meio dia limitou-se a apenas dizer-lhe onde era o refeitório.


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