Disclaimer:
“Other World” é uma web-série independente, cuja a autoria
pertence à Lilian Kate Mazaki, publicado originalmente no blog
http://otherworld-serie.blogspot.com.br
Other
World – Capítulo 5
Ritcher
e Lake
por Lilian Kate Mazaki – agosto
2013
Parecia que o mundo inteiro, todos os cantos do planeta Terra e ainda
a base humana instalada no Outro Mundo só sabiam falar sobre um
único assunto: o misterioso assassinato dos engenheiros Jonny e
Clarisse Lake. O fato havia ocorrido a pouco mais de três dias, mas
Mari Ritcher já estava completamente esgotada dos questionamentos e
suposições absurdas que leigos e estudados pareciam ter ensaiado
para repetir em coro.
“Dizem que algum governo contrário à América decidiu dar fim ao
maior gênio da história para que a riqueza do outro mundo não seja
monopolizada!”
“Sim! Os gênios que revolucionam o mundo sempre acabam
assassinados!”
“Por Deus, alguém precisa encontrar os responsáveis por essa
barbárie!”
“Eu ouvi falar que pode o crime foi encomendado pelo Barbosa. Na
verdade acredito realmente nesta possibilidade.”
“E quanto à filha do casal? Eles tinham uma garota com uns doze
anos de idade. Se não a protegerem, provavelmente logo será a morte
dela que iremos testemunhar.”
Mari estava sentada a um canto no amplo refeitório na base/sede da
OMM na manhã daquele dia. Ainda que tenha tentando ficar na parte
mais isolada do recinto, as conversas furadas sobre o assassinato
ainda conseguiam chegar aos seus ouvidos. Ela digitou uma pesquisa no
teclado de um pequeno laptop e apertou a teclar 'enter' com um pouco
mais de violência do que o faria normalmente:
― Pelo amor de deus, nem o assassinato do papa foi tão comentado,
tenho certeza! ― murmurou Mari para si mesma.
A verdade é que a jovem programadora estava muito abalada com o
acontecimento que deixara a sociedade em polvorosa. Nos últimos
cinco meses, os quais havia sido obrigada a passar inteiramente na
base humana no Outro Mundo, a pessoa com a qual tivera mais contato
fora Jonny Lake. Naquele período o engenheiro havia desenvolvido uma
relação quase paternal com a hacker. Chegaram a conversar diversas
vezes sobre suas vidas fora da OMM, Mari falando sobre a chatice de
manter uma vida falsa para ocultar sua identidade virtual e Jonny
contando sobre diversos momentos marcantes da sua vida, na carreira e
família:
“Sabe, Mari, quando puder andar livre novamente, vou te levar para
conhecer minha filha. Ela é uma pessoa um tanto solitária, acho que
você poderia se tornar uma boa amiga para ela.”
“Mas porque deixa que sua filha seja solitária, Jonny?”
“Não é que eu deixe isto. Esse é o jeito que Juliana é, desde
pequena. Sempre quieta, calada e lendo. Eu não sinto que seja capaz
de quebrar a barreira que ela tem ao seu redor.”
“Vejam só, o gênio maior do milênio, intimidado por sua filhinha
de dez anos.”
“Doze, ela tem doze anos. Alguma coisa me diz que vocês poderiam
ser boas amigas.”
Era aterrador mesmo para a hacker pensar que aquele homem de atitude
sempre energética e cheio de esperanças e planos para o futuro, com
o qual conversara durante o café da manhã a quatro dias atrás
agora estava morto. Internamente Mari agradecia ao fato de sua rotina
de programação solitária na base humana no Outro Mundo ter sido
alterada naquela manhã, com uma súbita convocação do departamento
pessoal.
Depois de tomar um café amargo e responder algumas 'threads' em um
fórum sobre um dos seus games favoritos, Mari fechou o laptop e se
encaminhou para o setor que lhe chamara. Bateu na porta antes e
entrou antes que tivesse alguma resposta.
Como na maior parte dos setores da sede da OMM o modelo do
departamento pessoal era o de uma única sala grande, sem divisórias,
com os funcionários trabalhando em baias individuais. Porém não
havia sala separada para a chefia ou algo assim. Uma mulher sentada
na mesa mais próxima à entrada observou Mari entrar e lhe acenou:
― Bom dia, você deve ser Mari Ritcher. ― disse uma bela mulher
que aparentava ter seus quase quarenta anos. Suas roupas alinhadas e
a arrumação de seus objetos de trabalho denotavam sua atitude
séria.
― Exato.
― Eu sou Mariana Silveira, fui encarregada de lhe passar alguns
avisos importantes sobre sua estadia na base do Outro Mundo, de agora
em diante. ― continuou a funcionária, em todo o seu
profissionalismo. Apesar disso Mari gastou alguns instantes de
pensamento rindo-se da sonoridade da expressão “Mari Mariane”.
― Certo. ― concordou Mari. ― Eu fiz alguma coisa errada e estou
sendo punida, é isso?
― Oh não, não! Você tem acumulado muitos pontos ao seu favor
desde que iniciou o cumprimento da sua pena de prestação de
serviços em programação para a OMM, Mari. O General Barbosa está
muito contente com seu trabalho.
― O General? Nossa, ele é um homem muito mais simpático quando
não dá as caras, não é mesmo?! ― ironizou a hacker.
― Bom, não estamos aqui para falar do general, não é mesmo. ―
disse Mariana, parecendo desconfortável com o comentário maldoso da
garota sobre o patrão. ― Vamos tratar dos nossos assuntos.
― Certo, só preciso saber quais são esses assuntos.
― Pois bem. Devido aos acontecimentos de grande repercussão dos
últimos dias o departamento pessoal acabou encontrando uma nova
tarefa para diminuir do seu tempo de reclusão sob custódia da OMM.
― O assassinato? Até aqui vou ter que ouvir sobre o que aconteceu?
― Você devia tomar um pouco de cuidado com o tom do que fala, às
vezes, senhorita Ritcher. ― sibilou Mariana, mas Mari encarou esta
sem entender bem.
“Enfim, o que tenho a lhe comunicar é: você agora terá uma
companhia de dormitório, na Base.”
― Er, e daí? ― Mari franziu as sobrancelhas à revelação. ―
Precisava fazer esse mistério só por causa disso? E quem é?
― Juliana Lake. Gostaria que você a levasse com você agora mesmo
para a base do Outro Mundo. A esta hora os pertences pessoal de
Juliana já devem ter sido levados para lá.
― Juliana. . . Lake? ― Mari ficou realmente surpresa neste ponto.
A conversa com Jonny sobre sua solitária filha voltou a sua mente em
um instante.
― Juliana, acredito que você já esteja pronta para partir, certo?
A nossa hacker aqui pode parecer uma pessoa rude, mas vocês devem se
dar bem. ― disse Mariana Silveira, olhando para um ponto atrás de
Mari e esta virou-se de supetão.
― Sim. ― concordou Juliana Lake, sem expressar qualquer emoção.
― Caramba! Você estava aí o tempo todo?! Eu não percebi nada!
― Estava. ― confirmou a ruiva com o mesmo tom monótono de antes.
― Então, Mari, Juliana, estão dispensadas. ― concluiu Mariana
Silveira, com um sorriso que aparentou à Mari ser de satisfação em
ver a perplexidade desta diante da nova companhia.
O caminho para os dormitórios da base no Outro Mundo levava cerca de
vinte minutos em uma caminhada em ritmo normal. Durante esse meio
tempo, Mari acabou não dirigindo a palavra à Juliana além das
vezes em que lhe mostrava detalhes dos locais pelos quais passava, ou
do funcionamento atual do portal que ligava as duas dimensões e as
particularidades deste com o modelo inicial descoberto por Jeff
Darto, à mais de cinquenta anos.
A ruiva pareceu não perceber o desconforto em que se encontrava a
programadora durante todo o tempo da caminhada. Ao chegarem ao quarto
Juliana foi direto à caixa de livros que fora deixada ali e tirou um
volume particularmente grosso. Sentou-se na cama que evidentemente
seria sua, pois era a única desocupada, e começou a folhear, sem
dizer qualquer coisa à Mari.
A loira, sem saber muito o que fazer, sentou-se à frente do seu
computador de mesa e abriu o navegador com algumas abas típicas.
Enquanto observava as atualizações que haviam sido deixadas no
perfil do, agora inativo, Star Joker, ela refletia sobre a situação.
Alguém havia achado uma boa ideia deixar a orfã do casal Lake na
companhia dela, porém Mari não entendia o motivo. Por acaso não
haveriam parentes próximos, como avós, que poderiam ficar com a
garota? Talvez Jonny tivesse a intenção de que sua filha
participasse do programa que estava a alguns meses de ter inicio,
porém não fazia total sentido deixar uma pessoa que acaba de passar
por um trauma tão grande isolada em um lugar inóspito como o Outro
Mundo.
Mari achou que ia explodir, não era o tipo de pessoa que conseguia
ficar apenas sem entender as coisas. Virou sua cadeira de rodinhas na
direção da outra, que ainda estava sentada com o livro nas mãos.
Juliana ergueu os olhos para essa ao ouvir o som da cadeira:
― Você sabe porquê te fizeram vir pra cá depois, bom, depois de
tudo o que aconteceu?
― Eles não sabiam onde me deixar.
― Por quê não com a família dos seus pais?
― Meus avós não quiseram.
― Não quiseram?! Mas que tipo de avós são esses? Por que não
iriam querer?
― Eles nunca gostaram de mim. Foi até melhor assim.
Mari estava surpresa não apenas com as revelações, mas também com
a falta de flexão emotiva na fala de Juliana. Parecia impenetrável,
ao falar da falta de amor de sua família por ela sem alterar-se.
Concordou imediatamente com o conceito de “barreira invisível”
que Jonny usara para definir a própria filha, no passado:
― Você é sempre quieta assim? ― perguntou a programadora, sem
conseguir conter-se.
― Sim. ― foi a resposta monossilábica da ruiva.
― E fica aí lendo esses, livros, todo o tempo?
― Eu gosto de ler.
― E já escreveu alguma coisa?
― Não. Eu gosto só de ler.
― Entendi. Talvez seus avós não gostem muito de pessoas que leem
demais. ― hipotetizou Mari, sem conseguir levar muito a sério
aquele diálogo.
― Nunca tinha pensando nessa possibilidade. ― respondeu Juliana,
parecendo realmente considerar a possibilidade.
Mari virou-se de volta para seu computador. Não sabia como continuar
uma conversa com aquela pessoa que só sabia responder tão somente o
que lhe era dito. Deixou sair a primeira coisa que lhe veio à mente:
― Sabe, eu trabalhei com o seu pai nos últimos meses. Ele ajudou a
me safar de uns problemas.
― Não quero falar sobre meus pais, se não se importar.
― Está bem. . .
Mari não dirigiu mais a palavra à Juliana durante toda a manhã.
Quando chegou o meio dia limitou-se a apenas dizer-lhe onde era o
refeitório.
Nenhum comentário:
Postar um comentário